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Investimento e Especulação: qual a diferença?

Thomas Freud
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Recentemente comecei a ler o livro de Benjamin Graham: The intelligent investor, e chamou atenção o fato de o autor dedicar um capítulo ao objetivo de estabelecer a diferenciação entre investimento e especulação, afastando qualquer hipótese de ambiguidade. É preciso deixar claro que, embora os veículos de notícia tendam a não considerar essa diferença — eles chamam a todos que negociam ações de investidores, pelo menos na realidade do autor— ela existe e precisa ser considerada.

Em um primeiro momento pode até não fazer sentido estabelecer essa diferença, afinal pra quê ficar se preocupando com ninharias? Vos digo que é importante sim estarmos atentos às definições, elas servem como guia para nos situarmos nesse universo dialético de coisas e ideias, até porque, se você vai jogar poker, precisa diferenciá-lo de blackjack ou bridge, cada jogo têm suas regras e exige posturas de ataque diversas. Nesse sentido, sabendo a diferença entre investimento e especulação, o aspirante ao meio vai saber onde se situar ou onde se encontra, e acredite, saber diferenciar a postura de um especulador da de um investidor pode garantir a sobrevivência no mercado.

Que fique claro que aqui não se deseja fazer juízo de valor moral dessas questões, existem especuladores e investidores — e um possível hibrido dos dois — e cada um tem sua intenção, seu papel e seus interesses, não interessa a qual senhor eles servem, pelo menos não pra mim.

Benjamin Graham afirma que “uma operação de investimento é aquela que, com base em análises promete segurança ao principal e um retorno adequado, as operações que não se enquadram nesses requisitos são classificadas como especulativas”.

A diferença crucial entre especulador e investidor está, sobretudo, na atitude; e aqui me refiro a atitude no sentido no qual esta é tratada em cursos de psicologia, qual seja, uma predisposição cognitiva para assumir determinados comportamentos.

Na esteira da definição apresentada, cabe elucidar que uma operação de investimento demanda muito estudo, se for considerar o mercado de ações, o investidor estuda a empresa e seu contexto. Ele estuda os indicadores macroeconômicos do país onde a empresa opera, faz uma análise setorial com o objetivo de compreender o setor e montar uma fotografia de sua tendência de longo prazo — se de crescimento ou recessão. E então estuda a companhia em questão, seus concorrentes, sua saúde financeira, plano estratégico, consistência de resultados, credibilidade e, em conjunto com a análise do setor, elabora projeções de crescimento do faturamento, assim como a possibilidade de aumento no nível de participação nos mercados. Se o pequeno candidato a investidor não tem como fazer todos esses estudos, os quais demandam uma boa dose de tempo e dedicação, então ele contrata um serviço especializado nesse tipo de trabalho.

De posse dos resultados desse estudo, o investidor toma sua decisão de fazer ou não fazer o investimento na companhia em específico. O investidor, supõe-se, é cauteloso, ele deseja, se não garantir seu principal, ao menos protegê-lo, incluindo uma adequada taxa de retorno. Resumindo, o investidor, ainda que corra riscos, esses são calculados, embasados em estudos extensos e profundos. Além disso, cabe ao investidor enxergar que esses riscos são inerentes ao mercado de ações, riscos diretamente ligados às oportunidades de lucros que o mercado oferece, ou seja, são riscos necessários.

“É preciso que se tenha em mente que o fator especulativo sempre permeia o mercado de ações, e o investidor deve se preocupar em manter esse nível de risco dentro de um limite mínimo, estando preparado, financeiramente e psicologicamente, para os resultados adversos que possam surgir”. Benjamin Graham.

O especulador, por outro lado, é o sujeito que compra ação, mas não faz nada, ou parte, do que foi descrito anteriormente, as vezes compra porque é uma dica “quente” ou porque viu o gráfico de cotação e enxergou uma raposa de nove caudas a expelir energia pela boca. Mas é o especulador quem confere liquidez ao mercado e lucros às corretoras. Ele não só é necessário como é inevitável, do contrário, o primeiro comprador de uma ação, se desejasse, não teria como se desfazer do papel a não ser em uma situação na qual a companhia emissora desejasse recomprá-lo. Além disso, a profissão de corretor de ações pareceria menos glamurosa, na falta daqueles.

Entretanto, de acordo com Graham, assim como existem investimentos inteligentes existem especulações inteligentes — nada como uma pequena operação para tirar 20% em um dia e ir pra casa mais cedo.

Graham cita, entre tantas outras, três maneiras de se fazer especulação não-inteligente: (1) fazer especulação quando achar que está fazendo investimento; (2) especular à sério ao invés de como um passatempo; e (3) especular arriscando mais dinheiro do que se tem.

Ou seja, comprar aquela call que o colega recomendou, operar alavancado — usar dinheiro emprestado da corretora — ou qualquer outra operação do tipo é especular. E especular na bolsa como meio de vida, na maioria dos casos, é a receita para o fracasso, até o seu pet vai pular fora do barco quando algo errado acontecer, e vai acontecer. Se bem que dizem que é errando que se aprende, nada melhor do que aprender com os erros dos outros.

Então, como fazer especulação inteligente? Bem, não sou perito no assunto, mas acredito que fazer o contrário da especulação não-inteligente seria um bom caminho. Primeiro, pôr a mão na consciência e enxergar que está especulando, operando as oitivas; segundo, se desejar realmente especular, faça isso com uma pequena parte de seus recursos, afinal, quem já especulou sabe que é divertido, sobretudo quando se está ganhando; e por fim, não operar alavancado para fazer especulação.

O problema de se operar alavancado é que a chance de ruína aumenta rapidamente. Considere um especulador com 10.000,00 em sua carteira. Sua corretora lhe oferece uma margem de 90.000,00 e ele a usa. Logo, ele está operando comprado com 100.000,00. Enquanto ele operasse com apenas seus recursos, ele precisaria de uma queda de 100% em sua carteira para ruir, operando alavancado, bastaria uma queda de 10% e pronto, ruína. É óbvio que isso é muito arriscado e o especulador precisa estar consciente disso ao operar.

Por fim, é importante pontuar que a diferença que foi feita aqui está limitada a operadores individuais no mercado, não aos investidores institucionais dotados de equipe e conhecimentos necessários que os deixam aptos a tomarem maiores riscos. Grandes operadores, como fundos, desejam obter ganhos acima da média de retorno do mercado, para tanto eles assumem outros riscos, definem operações de curto e longo prazo e fazem outras formas de especulação. Se observamos os resultados de muitos fundos com a crise causada pelo covid-19 podemos fazer um exercício mental de tentar imaginar quais deles fizeram especulação inteligente e quais não.

Por mais que haja especulação inteligente, pode-se dizer que especular é sempre menos inteligente do que investir (inteligentemente) — pense aqui que o sentido de ser inteligente é durar mais, que nem o slogan da famosa marca de baterias automotivas. Pense em um cassino, é ponto pacífico que a esperança matemática de ganho nos jogos está sempre para o cassino, ou seja, o cassino sempre ganha, no longo prazo. Pense em uma roleta com 30 números, quando um indivíduo escolhe um número, vamos desconsiderar as cores, a probabilidade de ele ganhar é de 1/30, a probabilidade de o cassino ganhar é de 29/30. O especulador não-inteligente entraria no cassino, o investidor inteligente o compraria.

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Thomas Freud
thomasfreud

PhD Student, Actuary and master in statistics and probability | Accounting bachelor's degree.