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Modelando o saldo garantidor de um fundo de pensão: uma aplicação em python.

Thomas Freud
thomasfreud
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7 min readAug 2, 2020

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Anteriormente falamos sobre planos de pensão e como modelar um benefício de pensão definido. Uma das grandes áreas entre as quais o atuário trabalha é a matemática de seguros e fundos de pensão. Dá pra criar modelos realmente interessantes e que auxiliam na compreensão das variáveis pertinentes a esse tipo de realidade. Muitas são as variáveis envolvidas no contexto de um problema típico do cotidiano de um atuário — taxa de juros, de mortalidade, de entrada em aposentadoria, inflação, composição de grupo familiar, etc. — e cada uma delas tem seu efeito sobre a avaliação atuarial. Se pensarmos nos recursos em posse de um fundo de pensão e em como esse total varia ao longo do tempo, em função dessas variáveis descritas, é possível perceber que cada uma delas tem seu efeito na variação do saldo de recursos ao longo do tempo.

Posto isso, vamos criar um modelo com o objetivo de estudar o impacto dessas variáveis no saldo do ativo garantidor, investigando como a alteração de uma variável — isoladamente — modifica o saldo dos recursos ao longo do tempo. O modelo será totalmente determinístico, abrindo mão da acurácia em nome da simplificação, afinal, a ideia aqui é mostrar um pouco do cotidiano do trabalho de um atuário, em termos ideais. Uma vez que tenhamos compreendido o processo, com um pouco de trabalho, teoria das probabilidades e dedicação, podemos criar modelos mais realistas, introduzindo aleatoriedade, mas isso fica pra outro momento. Além disso, com a metodologia aplicada aqui, é possível fazer os mais diversos tipos de modelagem.

Suponhamos o total de pessoas P que trabalham em determinada companhia. Cada um desses funcionários contribui com uma quantia específica de modo a financiar suas aposentadorias. Sendo assim, fica definido que o fundo arrecada uma quantia proporcional ao número de participantes segundo uma taxa de contribuição g, com a totalidade desses recursos sendo investida no sistema financeiro, gerando uma taxa de retorno anual média denotada por r. Sendo assim, periodicamente, g*P recursos são recolhidos e acrescidos ao montante que, até então, já se encontra investido. O montante de recursos investidos em um determinado instante de tempo é dado por V(t).

Fica determinado que cada funcionário, ainda que quando aposentado, continua contribuindo para o fundo, deixando de pagar somente quando se desvincula do grupo, nesse caso, por morte. Além disso, assumimos que, eventualmente, novos participantes podem entrar para o grupo. Precisamos incorporar em nosso modelo essa dinâmica de entrada e saída de pessoas, afinal, o grupo de funcionários não vai ter o mesmo tamanho sempre, pessoas morrem e outras pessoas são contratadas. Considere e uma taxa de contratação, que pode ser maior ou igual a zero e considere o uma taxa de saída de pessoas do grupo. Disso, podemos dizer o modelo populacional desse grupo é obtido resolvendo a seguinte equação diferencial.

Que quando resolvida, se transforma na função seguinte.

Essa função retorna a quantidade de pessoas vivas no grupo no instante t, dadas as taxas de entrada e saída de pessoas. Esse é um modelo determinístico e nem tão realista, mas vai servir ao nosso propósito. A partir disso, temos uma estimativa do total arrecadado em contribuições no instante t, o qual será dado por g*P(t).

Agora, pensemos nos recursos obtidos e investidos. Faremos mais algumas suposições. Os fundos V(t) variam em função da entrada de contribuições g*P(t), da retirada de recursos s e da rentabilidade periódica r. A retirada de recursos acontece quando os funcionários vão se aposentando e parte dos recursos é usada para o pagamento dos benefícios — quanto mais pessoas vão se aposentando, maior é a taxa de retirada. Simbolicamente, escrevemos isso como segue.

Resolvendo essa equação diferencial e aplicando a condição valor inicial, obtém-se o seguinte resultado.

Essa equação estima o valor total de recursos disponíveis no instante t, dadas as hipóteses que estabelecemos.

Podemos fazer várias análises a partir desse modelo, pensando no que pode acontecer se mudarmos os parâmetros e observando o comportamento do gráfico da função. Para tanto, implementamos o modelo em linguagem python e geramos um gráfico interativo com esse objetivo.

Inicialmente, inicializamos os parâmetros com os seguintes valores: (e=0, o=0.05, r=0.05, s=0, P0=70, g=0.10). Desse modo, obtém-se o resultado abaixo.

Nesse caso, o saldo do ativo garantidor aumenta, tanto em função das contribuições como em função da rentabilidade. Estamos diante de uma taxa de mortalidade relativamente baixa. Esse é o boom do fundo, um cenário típico que acompanha os anos iniciais de um plano de previdência. Não há pagamentos de benefícios, só o recolhimento das contribuições e investimento dos recursos, quanto maior a taxa de retorno dos investimentos, maior será o incremento do ativo. Além disso, quanto maior for o número de indivíduos na massa de segurados, e a taxa de contribuição g, maior será a receita do fundo.

Esse seria o cenário seguinte, considerando o processo natural das coisas. A força de mortalidade começa a aumentar, conforme os participantes vão envelhecendo, além disso, os indivíduos vão se aposentando com o passar do tempo, o que aumenta a taxa de retirada de recursos do fundo. Sendo assim, o nível de recursos decresce, com menos indivíduos contribuindo. Para garantir a viabilidade do fundo em um estágio como esse, a contribuição deveria ser aumentada, ou o retorno, ou ainda, a massa de segurados deveria ser recomposta, o que implicaria, em aumento de contratações, conforme a próxima figura.

E quanto às hipóteses do modelo?

Quando estudamos um problema com o objetivo de criar um modelo, tal como acabamos de fazer, é importante cumprir algumas etapas, tais como a análise do problema e do contexto, identificação de variáveis envolvidas e de seu processo interativo e, obviamente, suposições sobre o fenômeno de interesse. As suposições são, em geral, o ponto fraco de um modelo, mas elas são importantes na medida em que viabilizam a sua construção, pois é através delas que o cientista simplifica a realidade, fazendo-a caber em uma representação matemática.

Todo o cuidado deve ser tomado nesse processo. Muitas das hipóteses que assumimos aqui não são condizentes com a realidade prática, ainda que o modelo funcione, como ferramenta para análise do problema. Assumimos, em cada cenário, uma força de mortalidade constante, embora essa variável tenha comportamento crescente em função do tempo. Além disso, fixamos uma taxa de contribuição média proporcional ao número de pessoas na massa de segurados; embora isso seja verdade — afinal, quanto maior minha massa de segurados, tanto maior o valor arrecadado em contribuições — na prática, cada indivíduo paga uma taxa proporcional ao seu salário, sendo assim, faria mais sentido elaborar um modelo de contribuição proporcional a folha de pagamentos, não ao total de indivíduos, mas isso criaria dificuldades que acabariam por comprometer a clareza de nossa proposta.

Além disso, assumiu-se a hipótese de que a taxa de retirada de recursos para pagamento de aposentadorias seria constante, em função do tempo, mas faria mais sentido uma taxa que fosse função da taxa de decremento, não esquecendo de que essa taxa de saque não é constante, mas sim, proporcional ao número de pessoas que deixam a massa de segurados ativos, o mesmo pode-se dizer a taxa de entrada de pessoas.

Então o modelo é inviável?

Como foi dito antes, o modelo seria simples e determinístico. O que implica dizer que ele capta, em essência, a relação entre as variáveis e o saldo garantidor, mas não é adequado para ser adotado em uma situação real. Para isso precisar-se-ia, por exemplo, incorporar um modelo probabilístico de sobrevivência, aleatoriedade na taxa de retorno e incluir uma curva para acompanhamento do passivo atuarial, já que muitas mudanças nos parâmetros que “melhoram” o ativo garantidor, pioram a situação do passivo atuarial.

Como leitura recomendada, deixamos dois livros interessantes, um deles é o excelente Mathematical Biology: an introduction, de Murray, o qual é muito bom para quem deseja aprender — de forma muito didática — sobre o processo de modelagem de problemas através de equações diferenciais; o segundo é Pension mathematics for actuaries de Arthur Anderson, para quem deseja conhecer mais sobre as características de modelos atuariais voltados para fundos de pensão.

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Thomas Freud
thomasfreud

PhD Student, Actuary and master in statistics and probability | Accounting bachelor's degree.