Photo by Sean Pollock on Unsplash

Simulação de Monte Carlo aplicada ao planejamento empresarial.

Thomas Freud
thomasfreud
Published in
6 min readJul 4, 2020

--

Foi-se, e há muito, o tempo em que o trabalho de contadores se resumia a fazer escrituração contábil e elaborar balanços e outros relatórios. Tudo bem que a contabilidade financeira não perdeu sua relevância, embora seja necessário que ela acompanhe as mudanças tecnológicas, sobretudo nos mercados, sob pena de ficar obsoleta. Em 1987, Kaplan e Johnson publicaram Relevance Lost: The Rise and Fall of Management Accounting, um livro super interessante e, por incrível que pareça, atual acerca do resgate da relevância da contabilidade no mundo dos negócios. Nele os autores aquilatam a importância da contabilidade não-financeira para o sucesso de grandes companhias, defendendo que a contabilidade gerencial não só é anterior a financeira como, também, é aquela de maior relevância para o processo decisório interno.

A contabilidade financeira é aquela que se encarrega de fazer escrituração de atos e fatos administrativos com vistas a gerar relatórios financeiros de publicação obrigatória, os quais auxiliam investidores e outros interessados no desempenho e saúde do negócio. Já a contabilidade não-financeira, é aquela à qual chamamos de contabilidade gerencial, que por sua vez trata, também, da gestão de custos. Há quem chame de controller o profissional que faz o trabalho de contabilidade gerencial, em essência.

A questão é que, independente da área de contabilidade sobre a qual estamos falando, o profissional atuante precisa desenvolver sempre novas habilidades, sobretudo em modelagem quantitativa e programação, e não me refiro a isso como se fosse aquele mantra ridículo de anuncio de vaga de trabalho, mas sim porque o contexto exige isso do profissional.

A contabilidade gerencial não é só interessante e relevante, é também livre de regulamentações externas; ela é a ferramenta majoritária usada no auxílio do processo de tomada de decisão da alta gerência. Por isso também, os relatórios e indicadores adotados nessa modalidade não são publicáveis, alguns tem tanto valor estratégico que nem devem ser expostos de maneira incauta.

Por que usar simulação? Quase sempre, o trabalho de um gerente de controladoria vai ser desenvolvido usando dados e informações. Indicadores serão adotados, processos serão implantados e tudo isso precisa ser acompanhado para garantir que os objetivos e metas estabelecidos estejam sendo perseguidos. Exceto que, antes de tudo isso, há o planejamento estratégico. É no planejamento estratégico que metas são estabelecidas, objetivos são traçados e cursos de ação pensados. Toda a estratégia que deverá guiar o negócio é desenhada durante o planejamento.

Um planejamento bem elaborado ajuda a companhia a crescer, minimizando a possibilidade de fracassos que podem ser evitados. Uma peça IMPORTANTÍSSIMA dentro do planejamento estratégico é o orçamento empresarial. Uma vez que objetivos, metas e estratégias estejam definidos, é importante traduzir tudo em números. Pode-se dizer que o orçamento quantifica todos os aspectos de uma estratégia de ação, quando falamos de negócios.

O orçamento consiste em uma previsão de receitas e despesas para períodos subsequentes. Mas de onde partimos para elaborar uma peça de orçamento empresarial? A resposta é simples, do resultado financeiro anterior.

O gerente de controladoria começa a partir do planejamento estratégico. Digamos que a gerência estabeleceu uma meta que consiste em aumentar as vendas da companhia em 15%. Assim, partindo-se do resultado financeiro anterior, o gerente atualiza o faturamento anual em 15%. Daí ele começa: aumentando as vendas em 15% os custos vão aumentar em x%, as despesas em y%; como não temos capital suficiente, vamos precisar emitir debêntures a serem liquidadas no ato x, no valor z, com juros de t% e assim por diante.

É a partir desse ponto que a simulação entra em ação. Mas em que consiste a simulação, afinal?

Suponhamos uma empresa que possui apenas um centro de resultado e que ela fabrique e venda apenas um produto, digamos violões — essa simplificação é necessária para mantermos o foco e a clareza. Embora o gerente tenha uma ideia da média de vendas anuais de sua loja, o faturamento total não é fixo e, portanto, desconhecido, pelo menos até o encerramento do exercício financeiro.

Se pensarmos no início do exercício, tanto a quantidade vendida quanto o preço são variáveis desconhecidas, o preço de venda depende de questões fora do domínio do gerente, afinal o custo de insumos, mão-de-obra, frete, aluguel, etc., são quantidades que variam ao longo do ano, logo o preço de venda, que depende de tudo isso, também varia.

Embora o gerente não saiba a quantidade que será vendida e nem o preço, ele sabe que existe uma média, um valor mínimo e um valor máximo para a quantidade vendida, assim como tem a mesma intuição sobre o preço médio, mínimo e máximo. Com base nessas informações ele pode fazer uma simulação do faturamento da empresa e, a partir disso, encontrar o faturamento esperado, a probabilidade de obter um faturamento 10% maior, a probabilidade de ter prejuízos e assim por diante.

A simulação de Monte Carlo consiste, de forma geral, nisso. É claro que a toda uma metodologia nisso, sobre que distribuição modela qual variável aleatória, etc. Essa escolha vai depender dos dados anteriores e da experiência da gerência.

Façamos uma simulação para avaliar as perspectivas do negócio de violões. Antes disso, precisamos de algumas suposições. A loja espera vender até 200 violões; O preço dos violões gira em torno de 200 a 1000 reais, com um preço médio de 600. Os custos estão entre 30% e 70%. Além disso, fica estabelecido que o custo fixo é de 2000,00 mensais. Vamos usar as seguintes fórmulas.

A variável aleatória será modelada segundo uma distribuição triangular, com os parâmetros especificados de acordo com nossas hipóteses.

Rodamos a simulação implementando as formulas e as hipóteses de nossa abordagem. Agora temos uma pequena tabela com alguns dados realmente interessantes.

Apuramos uma probabilidade de prejuízo em torno de 12%. O resultado médio apurado é de -1.469,601. O Faturamento médio é de 46.692,51, com os custos totais situados na média de 48.162 (daí porque o prejuízo médio). A margem líquida média está em torno de -36%. Essas são só algumas das métricas que pudemos obter com a simulação.

O que podemos fazer para melhorar o cenário dessa empresa, considerando nossa simulação? Digamos que o gerente possa alavancar a empresa usando a estrutura de custos fixos, suponhamos que ele baixe o intervalo do custo variável para algo entre 20% e 50%, repassando isso para os custos fixos, que agora são de 4000 mensais.

Nesse cenário, a probabilidade de prejuízo cai para 8% com um lucro médio de 6.459,032. Nada mal não? Mas podemos melhorar, suponha que uma campanha de marketing foi planejada e espera-se que as vendas aumentem em 20%. Nesse cenário, o lucro médio é de 15000 e a margem líquida sobre para 3%, saindo do negativo.

Poderíamos calcular o ponto de equilíbrio, retorno sobre investimentos e qualquer outra métrica que se desejasse, bem como algumas medidas de risco. Mostramos, por simulação, os benefícios de se alavancar a estrutura de custos como forma de maximizar os lucros, mantendo o mesmo nível de vendas. (O leitor poderia alterar a simulação e verificar a taxa de exposição da companhia ao tomar essa estratégia, por exemplo, se as vendas caírem 10%).

Essas e muitas outras análises podem ser feitas usando simulação de Monte Carlo. Mas cabe lembrar ao leitor que simulação é um recurso útil para planejamento, não é uma concretização da realidade. Além disso, a simulação é construída a partir de hipóteses, e será tão coerente quanto forem essas hipóteses.

--

--

Thomas Freud
thomasfreud

PhD Student, Actuary and master in statistics and probability | Accounting bachelor's degree.