Por que “Roma” é um filme incrível — Tiago Bezerra

POR QUE “ROMA” É UM FILME INCRÍVEL.

Tiago Bezerra
Tiago Bezerra

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“Crítica escrita no dia 28/01/2019, antes da premiação do Oscar®

Uma obra-prima, sublime, profundo. Estava aqui procurando palavras para resumir a minha percepção sobre “ROMA”, filme escrito, produzido, fotografado e dirigido por Alfonso Cuarón.

Quando a Netflix anunciou o lançamento, eu já coloquei na lista pra assistir, mas protelei sei nem por quê. Até vi as primeiras sequências, mas chegou visita ou algo assim, aí interrompi e segui protelando até o dia que vi a notícia das 10 indicações ao Oscar®.

Fiquei orgulhoso por ter visto já na primeira sequência uma sensibilidade imensa e conhecimento profundo da audiência por parte do Diretor. O primeiro plano é uma espécie de treinamento pra gente entrar no clima, não diria lento, mas sim, nostálgico do filme.

Propus a mim mesmo um desafio: não saber quais eram as indicações. Assim eu colocaria minhas percepções à prova. Então, quando dei o play, só sabia que haviam sido 10 as indicações, porém não sabia em quais categorias.

E, de cara, a fotografia chamou minha atenção, primeiro por ser um filme em preto e branco, o que nos faz focar na dramaticidade da cena sem “distrações”, por assim dizer. Mas isso nem é o mais legal. O que mais chamou minha atenção foram as escolhas de planos e movimentos precisos de câmera. A câmera acompanha, quase sempre de longe, a rotina de Cleo, uma babá e empregada doméstica que trabalha e mora na casa dos patrões em um bairro nobre da Cidade do México, chamado Colonia Roma, ou simplesmente Roma.

É uma forma sublime do Diretor demostrar a forma como ele, quando pequeno, via a Babá Libo, inspiração para o filme. O distanciamento e admiração ficam claros a cada escolha de plano. É como se a casa observasse todos os movimentos da protagonista, respeitando o que ela faz, mas sem se aproximar. É poesia fílmica.

Depois, o Design de Produção (antigamente Direção de Arte). A casa foi toda preparada para transportar a gente para os anos 1970 no México. Tudo em cena é incrível e conta parte da história. Aí vem a inteligência do Cuarón: o preto e branco realçam a intenção do Design. Talvez, se o filme fosse colorido, a arte cênica não teria o mesmo resultado. Sutileza de gênio.

Aí vem o roteiro. Lindo. A história é contada sob o ponto de vista de uma moça — quase invisível — dedicada ao trabalho e à família. E o roteiro mostra os acontecimentos paralelos, como os problemas de relacionamento dos patrões, só com pequenos trechos. Se a protagonista não sabe, a gente também não fica sabendo. Se ela ouve um pedaço de uma conversa quando leva as roupas sujas para lavar, a gente também só ouve um pedaço da conversa. E assim, duas histórias são contadas em paralelo com riquezas de detalhes que vinham em doses homeopáticas.

Em algumas cenas, uma fala da patroa resumia tudo aquilo que estava acontecendo e a gente não via com clareza, porque, afinal, todos somos Cleo em Roma. Simplesmente incrível.

A Direção. Profundidade é uma palavra que define bem. Alfonso Cuarón conseguiu conduzir nossa atenção controlando o que a gente via, sentia e imaginava. A gente se aprofunda tanto na visão da protagonista que aprendemos a ser paciente, corajosos e esperançosos. Mas além da profundidade sentimental, Cuarón dá show explorando o máximo da profundidade de campo. É genial como ele construiu o mise-en-scène onde uma história acontecia no primeiro plano e uma outra, diferente, mas crucial, acontecia ao fundo. E tudo com exatidão e muita naturalidade. Nenhuma ação em cena foi por acaso ou sem ideia.

Quando o filme terminou, eu já tinha meu voto. Depois fui atrás de saber em quais outras categorias o filme concorria, porque eu tinha certeza que em Direção, Fotografia, Design de Produção e Roteiro Original, essa obra de arte estaria concorrendo, sem dúvidas.

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