Caio: de banguela em banguela

Daniel Prata
Tipo Filosofia
Published in
4 min readSep 17, 2019

— Mãe, mariposa pica?
— Não.
— E mariposo?

Eu gosto do Alex, mas é que, tipo, ele gosta mais dele mesmo. Ele fala que ele é o melhor de lutar karatê, ele é o melhor de lutar judô, o pai dele é o mais forte, a irmã dele derruba uma pessoa com um chute… essas coisas, sabe? Então é chato.

Esse negócio quando pinga na pele dói. Mas só um pouco. É que nem quando você toma uma picada de pernilongo acordado.

Eu só fui na loja de presentes com a mamãe porque eu queria ganhar uma coisa. Eu pensei “ah, se tiver uma coisa baratinha ela compra pra mim. Vai ser legal. Uhm, tá bom, eu vou”.
- E deu certo né?
- Sim. Ganhei as bolinhas de gude com poderes de tartaruga. É que também eu sempre faço um desejo pro anjo. E aí dá certo, realiza. Tipo, eu pedi McDonalds, deu certo, outro dia eu fui. E com vocês, ainda.

- Mãe, adivinha o que teve hoje de lanche? Ameixa molhada.
- Molhada?
- É, não era da seca.

Gritei tanto que meu grito ficou sem voz!

Na verdade eu não tô gripado, mas eu falo que tô porque eu gosto muito de chupar essas pastilhas waldorf. (=Walda)

— Pai, escreve aí no seu celular o que é ‘beleléu’?
— O que será que é né?
— Eu acho que é tipo um shopping.

O Bernardo Canin falou que no primeiro ano só tem duas pausas: uma do lanche e outra pra fazer a aula. O resto é normal, só ficar brincando.

— Pai, canta comigo aquela música dos toquinhos?
— Qual música?
— Dos toquinhos! Aquela assim “numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo…”

— Pai, não é que “mil” enche uma casa e “um milhão” enche dois prédios?

Eu gosto de trabalhar. Se você olhar bem, trabalhar é brincar. Tipo, jogar as coisas no lixo: pode jogar de longe pra acertar. Lavar louça: pode brincar com a espuma…

Eu ja queimei a língua uma vez. Lembra que eu subi na pia e peguei aquele seu potinho com pimenta e virei na minha boca? É que eu não sabia que quando morde a pimenta na boca ela vira fogo.

— O Leo tá no sumiu ano.
— Quê, filho?
— É assim: o Bernardo Canin tá no primeiro ano, eu tô no zero ano, e o Leo tá no sumiu ano. Nem existe, é menos que meio.

— Que lugar é esse, pai?
— Aqui é uma capela. Nesses bancos, qualquer pessoa pode sentar pra meditar, rezar, ouvir o silêncio um pouco. Olha ali quantos santos diferentes tem naquele altar.
— É. Então a água desse riozinho aqui no chão deve ser mágica né?

- Peraí filho, que o papai parou ali na trilha pra ver alguma coisa.
- Mãe, tudo o papai pára pra ver né? Ele parece um espião.

Sabia que o mosquito da dengue nasce na água parada?
Antes ele é um peixinho.

Pai, quando eu crescer vai ser muito engraçado. Porque eu vou ser espião. Aí ninguém vai me ver. Eu vou pegar uma coisa de um lugar e pôr em outro, fazer bagunça, espalhar o dinheiro pela casa inteira, essas coisas. E ninguém vai saber que sou eu. Vai ser engraçado. Eu vou ser um espião-saci.

Ah! Já sei por que meu amigo é judeu! Porque ele faz judô!

- Mãe, sabe quais são os deuses que eu acredito? Mãe planta, Mãe terra, São Micael, São Nicolau, São João, Pai sol e Mãe lua.

— Pai, o que você se pergunta mais, “quem nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha” ou “quem nasceu primeiro foi a planta ou a plantinha”?

O relógio do nosso corpo é o nosso coração.

— Pai, quando você torcer seu tonozelo, pede ajuda pra mim. Eu posso te ajudar, aprendi a fazer gesso.
— Ah é? Como faz?
— É só pôr sete meias juntas.

É assim Leo: mesmo gente que a gente não conhece, que é meio chata… é nossa família. Porque primeiro nasceu uma pessoa, depois outra, depois outra… uma é mãe da outra. Então na verdade todo mundo é a mesma família.

— O Leo tá cheio da graça. Só não é as três marias.
(=”nao é ave maria mas é cheio de graca”)

Pai, sabia que não precisa sempre de câmera? A gente pode tirar com nosso olho. A gente tem uma câmera dentro da cabeça. Tem tanta coisa na minha cabeça que eu esqueço dela. Mas algumas eu lembro. Tipo a minha pepita. Eu não lembro toda hora dela, mas eu lembro do dia em que eu achei ela. Na rua, se largada perto daquela borda de rua.

O dente é muito precioso né? Ele é a força da pessoa. Se a pessoa não come bem, só come muito doce, o dente fica podre. E aí quando cai, ele quebra e vira pó. Tipo o dente do Luís. É todo torto, preto. Deve ser porque os pais dele deixam. Não, deve ser porque ele mora com a avó. Você sabe, né? Todas as avós são assim. Quer dizer, eu não sei onde ele mora mesmo. A casa da avó dele é o sítio dele. E é também o sítio da vovó Bel. É engraçado, né? Devia ser uma casa, que depois virou duas, mas é todas no mesmo sítio.

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