Carteirada de Substantivo

Douglas Felipe
Tiro de Letras
Published in
6 min readOct 26, 2020

Aqui, trataremos de comportamentos morfossintáticos, classes de palavras, identificação morfológica e essas coisas de Letras.

Uma pequena e singela introdução ao assunto (e aos outros assuntos)

O próprio termo “comportamentos morfossintáticos” foi tirado do livro da Inez Sautchuk, nosso parceiro durante o semestre, e remete justamente ao que vamos tratar quando falamos sobre classes de palavras, sabe, aquelas que tradicionalmente incorporam o sistema de variáveis e invariáveis das aulas da Gramática Aplicada ao Texto (oi, prof.ª Lindinha) e funcionam como trilha para que cheguemos aqui. É uma pequena equação que se torna não mais complicada, mas digamos que agora usaremos, literalmente, equações com colchetes!

Antes de começarmos, é importante que você tenha lido os últimos textos publicados na página Tiro de Letras, ou não fará sentido algum pousar aqui sem entender a proposta toda.

Como assim?

Sempre me deparo com pessoas que, ao descobrirem que escrevo, dizem que também gostariam de escrever. Que a história de vida delas daria um livro.

E por que daria um livro, ao invés de dará um livro, escrito por ela mesma? — é agora que você entende a importância da educação básica: aquela pessoa acredita que não há possibilidade de escrever sua própria história.

Não só com essa página, um microcosmo do que é disseminar conceitos e nomenclaturas, mas com a vida acadêmica e, principalmente, na formação dos professores, temos a missão de fazer com que essas pessoas tenham autonomia para escrever suas próprias histórias — isso envolve todas as outras matérias, o capitalismo, enfim, conceitos que não estão ao alcance do professor de português.

Ainda.

Este pequeno excerto do que aprendemos durante nossa licenciatura é apenas o começo de uma contribuição para extinguir esse ainda — olha a carteirada de substantivo, título do texto, bem aqui, quando peguei o advérbio ainda e transformei em substantivo.

Espero que gostem…

A construção dos mecanismos de identificação morfológica das palavras

Primeiramente, às classes de palavras:

Substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, artigo, pronome, numeral, preposição, conjunção e interjeição (fazendo a musiquinha do filme Parasita na cabeça).

Cena do filme Parasita (2019), de Bong Joon Ho

Agora, vamos relembrar os inventários:

Inventário aberto: palavras cuja relação extralinguística proporciona um crescimento quase infinito (tantas palavras que seria impossível decorarmos). Dentro do inventário aberto estão os substantivos, adjetivos e os verbos.

Inventário fechado: aqui, conseguimos “fechar” categoricamente palavras cuja serventia é puramente estrutural e não possuem, sozinhas, carga semântica, pois sua função é relacionar as palavras do inventário aberto. Estão no inventário fechado os artigos, pronomes, numerais, preposições, conjunções e interjeições.

Importante: neste post, falaremos apenas sobre os integrantes do inventário aberto.

Agora entra o que sempre me fez achar a gramática a matemática do português: você tem que levar em conta tudo que leu/ pesquisou até aqui — incluindo alguns livros que deixarei no final desse post para consulta — e trazer todas as nomenclaturas e conceitos para dentro das frases e dentro do texto.

Tradicionalmente, os gramáticos organizaram todos os tipos de palavras de nossa língua em dez classes gramaticais, ou seja, os conhecidos conjuntos de palavras variáveis e de palavras invariáveis.

Com o avanço dos estudos linguísticos, entretanto, a existência dessas classes gramaticais, justificada pela necessidade de se organizar um repertório tão grande de palavras, passou a ser vista necessariamente pelo fato de elas constituí rem um modelo: têm características mórficas (estruturais) que permitem contrair ou não determinadas funções sintáticas, propiciando diversas expressões de sentido.

Percebe-se, assim, como forma, função e sentido estão intimamente ligados para explicar qualquer fenômeno linguístico. A forma define-se segundo os elementos estruturais que vierem a compor ou decompor paradigmaticamente as palavras; a função, conforme a posição ocupada no eixo sintagmático; e o sentido depreende-se da relação de ambas as coisas, quase sempre associado a fatores de ordem também extralinguística. (SAUTCHUK, 2018, p. 11)

Substantivo:

Aqui, deixarei a descrição de substantivo para José Carlos de Azeredo na Gramática Houaiss da Língua Portuguesa (uma ótima dica para estudos extras de Morfossintaxe):

O substantivo é tradicionalmente identificado e definido como ‘palavra que dá nome aos seres em geral, reais ou imaginários’. Esta definição diz respeito à função designativa de um subconjunto dos substantivos, em particular os relativos a itens de existência autônoma, como plantas, animais e utensílios, mas deixa de fora várias outras espécies de substantivos, como os que se referem a conceitos que abstraímos das situações e dos eventos (ex.: justiça, perfeição, covardia, arrogância, lentidão). De qualquer forma, não se pode descartar inteiramente o papel do substantivo como um recurso de rotulação e classificação dos objetos de nosso conhecimento. Afinal de contas, é sempre por meio de um substantivo que se identifica, mediante um rótulo, o objeto da dúvida de alguém que pergunte: Como se chama isso?.

Uma palavra é enquadrada na classe ‘substantivo’ por apresentar um conjunto de características que a tornam diferente das outras classes, como o adjetivo e o pronome. Essas características decorrem de três critérios: o modo de conhecer e significar o universo de nossas experiências reais ou imaginárias (critério semântico); o paradigma formal em que a palavra se enquadra (critério morfológico), e as posições que a palavra está apta a ocupar nas construções de que participa (critério sintático). Observando a classe ‘substantivo’ pela ótica desses critérios, podemos dizer que esta classe de palavra reúne as seguintes características:

a) dá nome às parcelas de nosso conhecimento representadas como entidades ou conceitos;

b) serve de núcleo às expressões referenciais do texto;

c) é passível de análise em unidades mórficas menores — radical afixos — segundo o paradigma em que se enquadra;

d) desempenha as funções sintáticas de sujeito e de objeto direto da oração. (AZEREDO, 2018, p. 165)

Ou seja, meus amores: forma, função e sentido transformam as palavras e podem, descaradamente, transformar advérbios em substantivos, por exemplo. Os dois textos são repetitivos a esse respeito e os escolhi para que isso não saia, de forma alguma, da sua cabeça. Agora posso falar resumidamente sobre os outros para que possamos prosseguir com um post que não leve catorze horas para ser lido!

Adjetivo:

Segundo a Gramática Houaiss, o adjetivo é um lexema que usamos, geralmente, para informar qualidades dos seres e coisas nomeados pelos substantivos. Refere-se a um substantivo. Segundo Sautchuk, podemos identificá-lo ao imaginarmos que, antes dele, venha um intensificador (dentre eles: tão; bem; muito etc. dependendo do contexto).

Exemplos:

Meu sofrer é proporcional [adjetivo] aos seus nãos (= Meu sofrer tão proporcional)

Ele não é homem [adjetivo] para isso. (= Ele não é tão homem para isso.) — exemplo diferentão, explicação abaixo:

O método se mostra eficiente até mesmo quando há substantivo transformado em adjetivo.

Verbo:

“O verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um acontecimento representado no tempo.” (CUNHA; CINTRA, 2017, p. 393)

Facilmente identificável, percebeu?

Não?

Tente conjugar um substantivo!

Tente conjugar tudo que seja palavra numa frase — a que for conjugável, de fato, será o verbo.

Obs.: o verbo torna dispensável o pronome. Receba (você) essa informação. Se (você) recebê-la e guardá-la adequadamente, (você) precisará apenas se aprofundar em todas as outras lições diabólicas acerca de verbo… sim, eu tô falando de Regência Verbal. Vá estudar!

Advérbio:

O advérbio vem colado a um verbo, adjetivo ou a outro advérbio. Bora?

Ele fala bem

Ela parece extremamente cansada

Ela fala muito bem

Estar estonteantemente vestido

Estar preocupantemente sonolento

Obs.: toda palavra bonificada com o sufixo -mente é transformada em advérbio:

Nobre; nobremente

Equilibrado; equilibradamente

Neste post, falei apenas sobre os componentes do inventário aberto. Logo mais, sai o post sobre as demais classes de palavras faltantes, pertencentes ao inventário fechado.

Fiquem atentes.

BIBLIOGRAFIA

AZEREDO, J. C. D. Gramática Houaiss da língua portuguesa. 4. ed. São Paulo: Publifolha: Instituto Houaiss, 2018.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 39. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2017.

SAUTCHUK, Inez. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)sintática. 3. ed. São Paulo: Manole, 2018.

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Douglas Felipe
Tiro de Letras

28. Autor do romance O Gabarito e do livro de crônicas Daydream 🏳️‍🌈