Do pensamento ao texto: eixos sintagmático e paradigmático

Josi Gonzaga
Tiro de Letras
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4 min readOct 2, 2020

Esses dois termos correspondem a uma das dicotomias saussurianas que foram melhor desenvolvidas pelos estruturalistas.

Primeiramente, deve-se ter em mente que todo falante possui uma “gramática internalizada”. Isto é, são as regras que cada um domina e utiliza para se comunicar e formar frases de modo compreensível, mesmo que não esteja nas normas da gramática normativa.

Saussure discorre sobre duas relações que norteiam a língua: relações sintagmáticas e relações associativas.

Segundo o linguista, nas relações sintagmáticas:

“[…] os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadeamento, relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo”. (SAUSSURE, 2012, p.171)

Essa relação corresponde aquilo que acontece no Eixo Sintagmático, em que podemos definir como um arranjo entre as palavras que se estabelece horizontalmente na frase, mediante leis de construção ou de relação da língua de caráter sintático. (SAUTCHUK, 2018)

Já, na relação associativa, Saussure fala que:

“Fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diversas. […] elas não têm por base a extensão; sua sede está no cérebro; elas fazem parte desse tesouro interior que constitui a língua de cada indivíduo.” (SAUSSURE, 2012, p.172)

Assim, essa relação é o que encontramos no Eixo Paradigmático, em que há um acervo de palavras contidas numa linha vertical imaginária na qual temos todas as possibilidades de escolha morfológica, com base em nosso conhecimento linguístico.

Vamos exemplificar esses dois conceitos:

“o homem é o microcosmo do universo”

“o microcosmo do universo é o homem.”

Note como as palavras podem mudar de posição nas frases acima. Essa análise compreende o eixo sintagmático (horizontal), já que percebemos as mudanças ocorridas de uma frase a outra.

Se analisarmos sintaticamente poderemos ver essa mudança mais intensa:

Na primeira frase, “o homem” é o sujeito e “é o microcosmo do universo” é o predicado nominal. Temos ainda os termos integrantes da oração: “microcosmo” é o objeto direto e “do universo”, complemento nominal.

Já na segunda oração, “o microcosmo do universo” é o sujeito e “é o homem” é o predicado nominal. “homem” é também o objeto direto.

Agora, veja o esquema abaixo:

Entre as frases acima, há uma possibilidade de escolha entre os sujeitos (Machado de Assis, Monteiro Lobato, Pelé, Van Gogh) para formar uma frase com outra possibilidade de escolha entre os complementos (escritor brasileiro, escritor infantil, jogador mundial, artista). Essa possibilidade de escolha encontra-se no eixo paradigmático e relaciona-se com a gramática internalizada dos indivíduos e seu conhecimento linguístico e enciclopédico.

Note que na escolha de qualquer palavra, a frase fará sentido linguisticamente:

Pelé é o melhor escritor brasileiro.

Van Gogh é o melhor jogador mundial.

Monteiro Lobato é o melhor escritor infantil.

Machado de Assis é o melhor artista de todos os tempos.

No entanto, dizer que o Pelé é o melhor escritor brasileiro ou que Van Gogh é o melhor jogador mundial não terá muito sentido, não? Por isso ter um conhecimento de mundo é tão importante quanto o conhecimento linguístico. Mas isso é assunto para a semântica… continuaremos com a morfossintaxe por enquanto.

Meu filho fez o dever de casa ontem a noite.

O menino realizou as atividades noite passada.

Aquele aluno terminou a tarefa antes de dormir.

Todas as frases estão corretas e referem-se a mesma situação narrada por diferentes ângulos. Na primeira, narrada pela mãe. Na segunda, pela babá. Na terceira, pela professora. No entanto, vemos claramente as diferentes palavras que cada personagem escolheu inconscientemente para dizer a mesma sentença. Essa escolha se dá no eixo paradigmático e vale-se da gramática internalizada e dos conhecimentos linguístico e enciclopédico para que se tornem coerentes.

Resumindo:

O eixo sintagmático corresponde a linha imaginária horizontal em que há um arranjo de palavras. Já o eixo paradigmático corresponde a linha vertical que contem o acervo de palavras que o falante pode escolher ao se comunicar e construir o eixo sintagmático. Veja o exemplo:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 28ª. Ed. São Paulo: Cultrix, 2012.

SAUTCHUK, Inez. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)sintática. 3ª. Ed. Barueri, SP: Manole, 2018.

PESTANA, Fernando. A gramática para concursos públicos. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019.

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Josi Gonzaga
Tiro de Letras

um leve percurso entre o pensamento e sua concretização em linhas.