O “Um” dos gramemas independentes: categorias e funções

Talyssa M. y Carnero
Tiro de Letras
Published in
3 min readNov 3, 2020

Como já foi abordado nos posts “Morfema, o que é isso?” e “Carteirada de Substantivo”, os morfemas do inventário fechado tem como principal função relacionar e estruturar os lexemas (palavras do inventário aberto), podendo ser dependentes (como as desinências de gênero) ou independentes (como os pronomes).

Neste post, trataremos apenas dos gramemas independentes.

Variáveis e invariáveis?

Como já mencionado em posts anteriores, artigos, pronomes, numerais, preposições, conjunções e interjeições fazem parte do inventário fechado, ou seja, possuem um número limitado de palavras que, diferente de outras classes como o verbo e o substantivo, podem ser memorizadas.

Para não alongar excessivamente o post, vamos abordar não as definições de cada uma dessas classes, mas sim, como Inez Sautchuk sugere, seu agrupamento em categorias linguísticas mais eficientes para o seu ensino e aprendizado.

Segundo Sautchuk, uma alternativa melhor do que simplesmente “decorar” classes de palavras como variáveis e invariáveis, seria agrupar essas classes de acordo com o papel morfossintático que elas exercem no texto.

Considerando isso, esses tipos de palavras podem ser agrupados da seguinte forma:

  • determinantes: artigos, pronomes possessivos, demonstrativos e relativos, e pronomes indefinidos em posição adjetiva.

Exemplo: “Pois é, o corpo humano é certamente desumano. Especialmente um corpo morto.” (Sobre os ossos dos mortos, pág. 14)

  • substitutos: pronomes em posição substantiva, como os retos.

Exemplo: Ele pensava que tivesse passado pela entrada; no entanto, ainda estava do lado de fora, de pé na calçada onde estivera antes.” (O Feiticeiro de Terramar, pág. 40)

  • quantificadores: numerais cardinais, alguns advérbios (muito, pouco), e alguns pronomes indefinidos como muito (-a, -os, -as).

Exemplo: “Entretanto, caí num sono muito profundo; recorri ao chá de lúpulo e tomei ainda dois comprimidos de valeriana.” (Sobre os ossos dos mortos, pág. 7)

  • relatores: preposições e conjunções.

Exemplo: “Estava com os lábios cerrados e digitava um número, concentrado.” (Sobre os ossos dos mortos, pág. 21)

  • auxiliares: verbos que, de forma finita ou não finita, participam de outro verbo.

Exemplo: “Ele não estava evocando um feitiço, e mesmo assim havia um poder em sua voz que afetou de tal modo a mente de Ged que o garoto ficou maravilhado (…)”(O Feiticeiro de Terramar, pág. 42)

Pode um numeral agir como um adjetivo?

Agora que já separamos os gramemas em suas respectivas categorias, podemos falar de outro aspecto interessante: as funções substantivas e adjetivas desses gramemas.

O primeiro caso não é muito difícil de visualizar, como acabamos de observar um exemplo disso no tópico dos “substitutos”. Neste processo, um pronome pode ocupar a mesma posição que um substantivo no eixo sintagmático.

Já no segundo, alguns tipos de pronomes e numerais podem se comportar como adjetivos ao acompanharem um substantivo concordando com ele em gênero e/ou número.

Um exemplo bem famoso disso é o caso do “Um Anel” de J.R.R. Tolkien. No universo criado pelo autor, existem dezenas de anéis de poder, mas apenas o “Um” tem poder de dominação sobre todos os demais, sendo o anel do próprio Senhor do Escuro. O numeral não só acompanha como caracteriza o substantivo.

Obs.: No original em inglês, “the One Ring” foi traduzido para “o Um Anel”, sendo assim se trata do numeral, e não do artigo indefinido.

O “Um Anel” em imagem promocional do filme “O Senhor dos Anéis”.

Mas agora vamos enfim falar do elefante na sala:

E as interjeições?

Inez Sautchuk diz o seguinte:

“Em relação às interjeições, estudos mais recentes e linguistas de maior expressão vêm considerando-as palavras frase, pois constituem, por si só, enunciados completos.” (SAUTCHUK, 2018, pág. 23)

As interjeições podem ser utilizadas nas mais variadas situações e contextos, apresentando feições que podem ir desde contornos de palavras (Puxa!, Bravo!) até a reprodução de sons (clic, tic-tac).

Por fim, as interjeições não contraem relações sintáticas com outros termos, podendo, sozinhas, constituir uma frase.

Exemplos:

Ai! — sinto dor / Ai! Você pisou no meu pé!

E com esse post, fechamos (por enquanto) o tema das classes de palavras. Ufa! (olha aí a interjeição).

Fiquem no aguardo para o próximo post!

BIBLIOGRAFIA

SAUTCHUK, Inez. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)sintática. 3. ed. São Paulo: Manole, 2018.

TOLKIEN, J.R.R. A Sociedade do Anel: Primeira Parte de O Senhor dos Anéis. Tradução de Ronald Kyrmse. 1. ed. Rio de Janeiro: Harper Collins Brasil, 2019.

TOKARCZUK, Olga. Sobre os ossos dos mortos. Tradução de Olga Bagińska-Shinzato. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2019.

GUIN, Ursula K. Le. O feiticeiro de Terramar. Tradução de Ana Resende. São Paulo: Arqueiro, 2016.

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Talyssa M. y Carnero
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