A Bola | Crônica
Esperando o ônibus, vejo um garoto jogando bola. A bola, suja e esfolada, é de vôlei, mas o esporte é o futebol. Ele tá bem ali, a três casas de mim. Bermuda marrom, camiseta branca encardida, chinelo havaianas preto bem gasto. Deve ter cinco ou seis anos. Brinca sozinho. O sol assa aos quarenta e dois, mas o garotinho chuta, dribla e… se diverte. É uma estrela, um Neymar em sua própria fantasia. Me pergunto se ele não tem amigos.
A bola suja, a inocência, a solidão. A cena não é rara nas ruas brasileiras, mas aquela me intriga. Não que eu goste de futebol, mas a cena faz eu me lembrar… de mim. Na verdade, o primeiro pensamento é “Esse guri vai morrer queimado no asfalto!” Depois, lembro de mim.
Na escola, as crianças escolhiam as melhores bolas, sobrando só a velha bola de vôlei. Idêntica à do menino. Ninguém a queria. Então, eu ia até a sacola e pegava a minha velha amiga. Depois, escondia-me do calor sob a sombra de uma árvore, perto do campinho. Jogava vôlei de uma só pessoa. Curiosamente, me identificava com aquela bola: ela era suja, esfolada e meio murcha, porém simpática e fiel. Eu não era sujo, mas solitário.
A imagem do garotinho me marca. Uma criança brincando de bola. Uma bola suja, esfolada e meio murcha… Quantas bolas assim não temos por aí?
O ônibus chega e eu vou. O menino e sua bola ficam.
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Texto originalmente publicado em 11 de outubro de 2020. Republicado em 28 de maio de 2021.