Pequena Dançarina | Conto

Jota Oliveira
Tiro no Pé
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5 min readSep 11, 2021

Sentadas no terraço, observamos as estrelas. Pela caixinha de som, Elton John cantava “Your song”. Camila vestia um pijama branco com estampas de coelhos, seu favorito; eu, shortinhos e uma regata cinza. Estava frio ali, mas seu abraço era quentinho.

— Acho que nunca vi tantas assim — ela disse.

Olhei Camila, seus olhos castanhos brilhando entre as mechas do cabelo. Aconcheguei-me em seus braços e voltei a observar as estrelas.

— Verdade. Tá bem limpinho.

— Uhum.

Eu não queria estragar o momento, mas precisava saber. Ainda olhando o céu, respirei fundo e limpei a garganta.

— Então… O que achou do conto?

Ela ficou em silêncio por tempo o bastante para acelerar o meu coração. Depois, levou a mão ao queixo, olhando para mim.

— Mmm… Deixa eu ver…

Cutuquei-a na coxa.

— Ah, por favor!

Ela se contorceu, gargalhando.

— Para! Cócegas não valem!

Eu sorri.

— Então fala logo!

Assim que disse, senti seu rosto respirando próximo ao meu pescoço.

Adorei… — sussurrou.

Beijou minha nuca e suspirei.

— É?

É.

— Que bom. Agora pode espalhar pra todo mundo que é o seu conto e você é a protagonista.

Virei para beijá-la, mas, antes que as bocas se encostassem, Camila se afastou levemente. Arqueou a sobrancelha e pôs o indicador sobre minha boca.

— Ah, é? E por que ela tem olhos castanhos claros, se os meu são escuros?

Sorri.

— Porque eu nunca sei se eles são escuros ou claros.

Beijei sua boca. Passamos alguns minutos abraçadas naquela posição, antes de novamente me aconchegar em seus braços e ela me fazer cafunés.

— E o que acontece agora? — Camila perguntou.

Sorri outra vez, observando a lua.

— Comemoramos seu aniversário.

— Não. Digo, o que acontece depois? Depois de hoje, quando você for embora.

Ergui a cabeça, encontrando seus olhos.

— Vem comigo — falei, levantando-me. — Tenho uma coisa pra você.

— Mas, Julia…

— Vem! Anda logo!

Ela me olhou firme, boca fechada, sobrancelha erguida, como só ela fazia. Resmungou, mas acabou me seguindo. Descemos do terraço pela escada e entramos em casa. Na sala, apontei-lhe o sofá.

— Senta aí, já volto.

Entrei no quarto. Pouco depois, voltei com uma caixa de sapato nas mãos. Pintada de azul e rosa, tinha um laço de presente ao redor. Coloquei-a sobre a mesinha diante do sofá.

— Se lembra da música que escreveu há dois anos?

Camila olhou curiosa para caixa, depois para mim. Um meio-sorriso se desenhando em seu rosto.

— Essa é a…

— Sim — falei. — É a caixa dos sapatinhos de bailarina que eu te dei e você jogou fora, sua mal agradecida.

Ela riu.

— Eu não guardo caixa. O que tem aí?

Sentei ao seu lado.

— Abre aí.

Ela olhou para mim.

— Sério?

Subi os dois pés no sofá, sentando sobre eles.

— É! Anda logo!

Ela pegou a caixa e a pôs sobre as pernas. Observei-a desfazendo o laço com cuidado. Dentro, uma caixa de fósforo embrulhada em papel de presente azul. Na caixa grande, havia mais um embrulho, retangular e fino. Camila retirou os dois e os colocou sobre a mesinha, deixando a caixa de sapato no chão.

— Que é isso, Julia? Um livro e um anel de casamento?

— Deixa de ser boba, eu sei que você não gosta de anéis. E não é um livro!

Camila começou a abrir o presente retangular, sempre cuidadosa. Ela não guardava caixas, mas também não rasgava os embrulhos. Quando terminou, levou uma mão à boca e olhou para mim. Na outra mão, um pequeno quadro azul emoldurava um papel rabiscado de caneta preta.

Novamente, perguntei:

— Lembra da música que escreveu pra mim?

— Você…

— É, eu guardei.

Sorri ao vê-la com os olhos marejados.

— Lembra do refrão, né? — perguntei.

Ela acenou e, juntas, cantamos:

— “Uma pequena dançarina dançando nas minhas mãos”.

— A dançarina era você — ela disse.

Peguei o presente menor e o entreguei para ela.

— Amor, é você a minha dançarina.

Camila pegou, mas não abriu.

— Por que está fazendo isso?

Senti um aperto quando vi uma lágrima rolar em seu rosto. Engoli em seco e respondi só:

— Abre.

Ela fungou baixinho, secando o rosto com as costas das mãos. Devagar, abriu a caixinha. Camila balançou o rosto, juntando as sobrancelhas ao segurar uma chave.

— Julia, eu não quero ficar com a sua casa.

Notei que eu também começava a chorar.

— Sua boba, eu não quero te dar a casa.

— E eu já tenho uma cópia daqui.

Sorri, fungando e sentindo o coração apertar mais.

— Cala boca, Camila! Não tô te dando uma casa nem te chamando para dormir aqui de vez em quando.

— Então o quê? — perguntou, a voz áspera. — Deixando uma lembrança antes de partir?

Balancei o rosto, sentindo as lágrimas caírem.

— Tô te chamando pra morar comigo.

De boca aberta, ela congelou. Quase pude ver sua mente funcionando.

— Quer dizer que…

— Que eu não vou abandonar a pessoa que eu amo por um salário maior.

Ela continuou congelada. Meu coração acelerou. Peguei a chave de suas mãos, respirei fundo e me ajoelhei diante dela.

— Camila Machado dos Santos, dona do meu coração, protagonista dos meus contos de amor, aceita morar comigo?

Ela continuou me olhando em silêncio, algo que fez meu coração estremecer de medo.

— E então?

Camila desabou em lágrimas. Eu também.

— Sua idiota! — ela gritou. — Idiota, idiota, idiota!

E ela me beijou.

— É claro que sim, sua idiota!

Passamos algum tempo abraçadas no sofá, rindo e chorando.

— E agora? — perguntei. — O que a gente faz?

Ela mordeu os lábios, olhando a música emoldurada.

— Aceita dançar em minhas mãos, pequena dançarina?

Eu sorri.

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Texto originalmente escrito para os desafios semanais do Coletivo Escambau. Reeditado e publicado neste Medium em 10 de setembro de 2021.

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Jota Oliveira
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Respiro, treino Pokémon e escrevo por aí. Várzea-grandense, leitor e antifascista. Redes: https://flow.page/tironope