Paraíso Portátil e o amadurecimento do Selvagens a Procura de Lei
Gabriel Aragão, vocalista da banda, revela as nuances da vida adulta que transformam os integrantes e a sonoridade do grupo
No início de novembro, Selvagens a Procura de Lei, banda nordestina que completa 10 anos de carreira neste ano, lançou seu quarto álbum, chamado “Paraíso Portátil”. Carregado de novas influências e com uma sonoridade bem diferente em relação a tudo que o grupo já produziu, as letras do novo disco são extremamente sinceras, falam sobre os desafios da vida adulta, fracassos e questões não tão simples de lidar.
Porém, assim como nos trabalhos anteriores, a sinceridade é a essência para todas músicas, conforme Gabriel Aragão, vocalista da banda, nos contou em entrevista. “Isso pra mim é tudo. Não existem composições forçadas ou à toa. Tudo que está escrito no disco veio de uma vontade grande de colocar para fora. Foi realmente um trabalho especial de se criar do zero”, destaca.
Em faixas como “Sede ao Pote” e “Sentinelas”, que apresentam reflexões sobre fracassar, superar e a ansiedade com o que está por vir, torna visível o amadurecimento dos integrantes da banda e os desafios que cada um enfrenta na vida adulta. Enquanto nos primeiros álbuns lidavam com amores não correspondidos e romances, o novo trabalho busca refletir sobre se reconhecer e se reinventar, responsabilidades que carregamos com o amadurecimento.
Um exemplo disso foi o nascimento do filho de Gabriel Aragão, um grande acontecimento que transforma a vida de qualquer um, e que foi traduzido na música “Ponto e Vírgula”, com uma melodia doce e composição tocante. Trechos como “Entre seus nervos de aço, abre um espaço pro amor que vai chegar”, representam uma pessoa em transformação, lidando com incertezas e responsabilidades.
“No começo achava que estava falando do nascimento do meu filho, mas depois percebi que era sobre o nascimento de um pai mesmo, com as dúvidas e as pressões”, esclarece Aragão. “A sensação de ruptura com a vida de até então e a nova vida que se abre adiante. Daí o título da música”, complementa.
As tantas mudanças na vida dos integrantes desde “Aprendendo a Mentir”, primeiro álbum lançado em 2011, ficam nítidas nas novas sonoridades que amadureceram junto com todo o grupo. Com isso, “Paraíso Portátil” soa diferente do “antigo Selvagens”, como muitos fãs disseram. “Não tão rock o suficiente”, porém com estilos, composições e melodias autênticas que estavam em falta no cenário da música nacional, mostrando que a banda é versátil e capaz de se reinventar de forma legítima e talentosa, sem medo de assumir riscos.
Antes do lançamento do álbum, foram lançadas duas faixas em formato de single: “Intuição” e “Sem você eu não presto”. As duas já possuem clipe e apresentam sonoridades bem distintas uma da outra. A primeira, cantada pelo baterista Nicholas Magalhães, possui elementos que os fãs estão mais acostumados, como solos de guitarra e ritmo mais agitado.
Já a segunda faixa, cantada por Aragão, apresenta tom calmo e suave que, segundo ele, teve uma recepção mais difícil na fã-base do grupo. “Ela puxa mais pros elementos sonoros que recheiam o disco, como bateria eletrônica e sintetizadores. Uma produção mais pop e um jeito de cantar completamente diferente do que fiz antes”, expõe o vocalista.
Apesar das críticas, a banda demonstra não se importar tanto com comentários negativos, ressaltando que o novo álbum mostra que Selvagens é uma banda em constante mudança. “Não me incomoda a opinião dos outros, me incomoda a expectativa de algo. Desde o começo, Selvagens é uma banda que escreve o que quer escrever. Compomos para agradar primeiramente a nós mesmos. A gente gosta de se surpreender. Entendo a frustração de algumas pessoas ao não gostarem do disco porque é diferente dos outros, mas nunca foi a nossa intenção nos repetirmos”, defende Aragão.
Com vontade de atingir novos públicos, Selvagens a Procura de Lei traz músicas mais calmas do que os fãs estão acostumados. Em um cenário um tanto desolado, a sonoridade chega a evocar até mesmo o rock dos anos 1980, só que em meio a segunda década dos anos 2000. Músicas que trazem um sentimento nostálgico por si só.
Além de Gabriel Aragão e Rafael Martins, vocalistas principais da banda, os demais integrantes também cantam em determinadas faixas. O baterista Nicholas Magalhães, que um timbre semelhante ao de Tim Maia, solta a voz em “Intuição” — em álbuns anteriores, já havia participado do vocal nas faixas “Despedida” e “O que será o Amanhã”.
A novidade é a estreia do baixista Caio Evangelista no vocal, com a música “Deja Vu”. O riff inicial desta faixa até lembra “Tempo Perdido”, do Legião Urbana, porém ainda mais psicodélico e suave, e com uma voz que traduz tranquilidade e surpreende por nunca ter aparecido antes a todos.
Em “Paraíso Portátil”, Selvagens A Procura de Lei mostra que não tem medo de mudanças, o que é admirável e enriquecedor não só para o rock contemporâneo, mas também para a música em si.
O disco já está disponível nas principais plataformas digitais e em formatos físicos, foi financiado em modelo de crowdfunding via Kickante, arrecadando mais de R$ 30 mil. A banda está atualmente em turnê para divulgação.