Leucoflegmasia

Vinícius Ferrari
Toda dor que somos
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2 min readMay 9, 2017

finas navalhas cobrem meu corpo
fazendo rascunhos fiéis de angústia;
em cortes e sangrias me vejo absorto
e toda a paz aqui dentro é expulsa.

afogo-me numa piscina vermelha
e os olhares raivosos tendem a me cercar
na integridade nefasta de uma teia;

ah, não saber viver! não saber nadar!

horrível, que versos mórbidos são estes
que se dispõem na sua frente?!
com pressa destrua-os, deteste-os
que eles voltarão, ainda mais persistentes.

estapafúrdia coragem que me assola!
vozes gentis logo são sussurros de indução;
ela me entorpece e me controla
quando as vozes insistem em não não não NÃO

o adorável visco que envolvia a minha língua
é uma dor que não entendo e se desdobra em minha boca
agora restam os olhos rubros e a alma à míngua
de um corpo que é, em verdade, uma carapaça oca.

lasciva! maldita alma lasciva
que anseia por esse amargo de esperança;
violada sangrenta cativa
vive, lá dentro, uma criança.

de novo oculto nessas velhas fendas
vejo que em meu rosto restam vísceras;
diante de mim mãos trêmulas e íntegras
deixam escapar ilusões pustulentas!

caminhando encontra-se, escura, uma dor qualquer
e é capaz de derrubar alguma absurda quimera minha
tal como o amor, nefasto do jeito que é
me invade, desola, e logo em seguida se aninha.

com os olhos baqueados fito os céus
e vejo uma nuvem escura sangue jorrar
me volto para baixo, abraçando os ombros seus
e imediatamente seu corpo se dissolve no ar…

se antes a rua escura era um conforto
agora vêm transeuntes a fitar, no fundo de uma vala
o sorriso cínico da vítima de uma bala
e ouvir os versos do meu corpo morto!

03/05

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