Soneto do afogado

Dois caranguejos, Van Gogh

Não esperei o mar a me desfazer
nem molhei o Outro para que me molhe;
e essa neblina, do meu maldizer
parte do lago abjeto que me encobre.

Me escorre pelos poros — foz ansiosa
pedaços de algo a chamar de Eu
e quem as toca — a mão despretensiosa
se afoga num verso que me escreveu.

Ascenderei? Deus dirá em sua lira!
E Ele me vê, decerto, bem menor
que um grão a se perder quando respira.

Mas, se agora enfrentar a correnteza
me verei, quem sabe um dia, bem maior
que um homem a emergir em sua tristeza.

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