Fernanda Stange
Toda Palavra
Published in
2 min readMay 17, 2020

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Salve o clichê!

Nanda , amada

Desculpe, mas não me contagiar com suas palavras, conforme você me pediu, não é uma possibilidade. A última carta que a mim endereçou custou a ser digerida. A densidade de suas palavras me fez titubear várias vezes frente ao cursor, imaginando se haveria uma resposta adequada. Teria eu o atrevimento de oferecer algum conforto à sua desilusão? A mim, parecia empreitada perdida de antemão! Mas anteontem, dia 15 de maio, foi o meu aniversário. E em um momento da celebração, a que me autorizei junto aos poucos que podiam estar comigo em segurança, lembrei de você. Tocava “What a wonderful world” de L. Armstrong-completei 39 anos, posso, rs-e as imagens às quais a música me remetia eu dedicava a você…acompanhar o crescimento de um bebê, ver a magia colorida do arco-íris, as nuvens no céu, amigos dizendo “amo você!”…Em tempos sombrios, amiga, precisamos disso! Se temos ciência de que a felicidade não é um bem acessível em qualquer esquina, como você nos trouxe ao apresentar as fontes do mal-estar na civilização segundo Freud, se o outro, e nós mesmos, nos dedicamos a odiar, invejar, explorar, destruir a diferença que nos impede o prazer imaginariamente possível, é esse aí, esse outrinho semelhante, que também está habilitado a nos oferece alguma satisfação. Antes da tragédia atual as coisas já não iam bem, concordo. Mas por isso mesmo não devemos relançar os dados, fazer novas apostas? Agora eu que te peço: não se contagie demais com qualquer rastro de esperança de minhas palavras, não quero parecer o último romântico, mas é que a vida desde sempre foi dura para todos, não conheço um sequer que não tenha levado uma rasteira hora ou outra e, resistindo vivo, depois se levantasse. Você, Nanda, é um desses semelhantes que nos convocam a relançar os dados. Lembra quantas vezes, eu desanimado com a psicanálise, fui resgatado por você? Quantos afetos a mim dirigia desde os tempos de orkut, dizendo que eu era uma pessoa a quem escreveria cartas? E não é que aqui estamos, escrevendo cartas…Mesmo quando caçoava de mim, afinal nossa maldade também resiste, você me fazia bem, despertava vontade de escrever como você, ler o que você lia…conheci Fernando Pessoa, João Ubaldo, Clarice, Cheib, por influência sua. Então, Nanda querida, peço que se mantenha a postos! A jornada ainda é longa e com você por perto me sinto melhor. Grande beijo e até logo!

Rony

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