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De férias

Lara Gondim Toledo
TodaPalavra
Published in
2 min readAug 30, 2018

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Dividiu e delegou tarefas, eliminou as pendências da lista e checou se tudo estava sob controle. Responsável que só ela, ligou para seus colegas e fez questão de alinhar, realinhar e rerealinhar, “que é pra ver se não resta nenhuma dúvida” (foi o que ela disse, justificando seu preciosismo).

Achou esquisito que, pela primeira vez, ela não sentia aquela ansiedade gostosa de quem está para sair de férias. Tampouco o costumeiro alívio libertador ao escrever o Aviso de Ausência Temporária do Outlook. “Vai ver, é porque não vou viajar. Vou ficar em casa, então nem parecem férias.”

Não pareciam mesmo. Ela sentia como se estivesse saindo de licença médica. E sinceramente? Era disso mesmo que precisava.

As semanas anteriores não haviam sido nada fáceis: pressão, urgências, inúmeros e-mails e uma enxurrada de prazos tão curtos quanto estava ficando a sua paciência. Ela, que sempre caminhara plenamente sobre o oceano das demandas diárias, agora se afogava e não encontrava mais forças para voltar à superfície.

“Mas que porra é essa??? Estresse? Burn out?” Não sabia explicar, apenas sentir.

E, diante de um orçamento apertado e a necessidade de reversão de um quase colapso, ela decidiu que não gastaria o dinheiro e a energia que não tinha em uma viagem que teria tudo para ser incrível, exceto pelo fato de que ela queria qualquer coisa, menos viajar. Não importava o quão instagramável fosse o destino; ela não precisava disso.

Ok, mas o que ela deveria fazer, então?

Decidiu ficar em casa. Como se ouvisse suas preces silenciosas, São Pedro enviou chuva e frio. Pronto: estava corroborada a sua reclusão, sem a necessidade de justificativas sociais que explicassem a não ida à praia em caso de Sol.

O que ela fez? Meditou. Muito. A seu modo: incenso aceso, sentada na cama, olhos fechados, Pai Nosso em aramaico tocando no Spotify. Respirou calma e atentamente, como há muito não fazia. Chorou. A cada ficha que caía, uma lágrima de alívio escorria pelo rosto. Sim, ela estava trabalhando demais. Sim, ela estava estressada. E sim, ela só precisava daquilo: um certo ócio espiritual, uma certa pausa física e mental para fazer absolutamente nada e, ao mesmo tempo, tanta coisa.

No fundo, no fundo, ela sabia: tirara férias de si. Ou melhor; daquilo que havia se tornado nas últimas semanas: uma máquina de fazer e entregar, sem questionar, sem enxergar o todo, sem entender o propósito das coisas. No fundo, no fundo, ela sabia que era muito mais.

E era por isso que abrira mão de viagens tangíveis e geograficamente localizadas para jornadas espirituais às profundezas do seu espírito. E foi ali que testemunhou, enquanto turista de si mesma, o fenômeno mais raro e louvável no Universo: O Reencontro. Consigo.

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