O mundo de Lara

Lara Gondim Toledo
TodaPalavra
Published in
4 min readApr 25, 2018
Photo by Dawid Zawiła on Unsplash

“Lara, é com muito carinho que eu peço que repense o tom que usa com as pessoas. Você é uma menina brilhante e este ajuste fino a levará ainda mais longe.”

Eu tinha 23 anos quando recebi esse bilhete anônimo no trabalho. Nunca descobri o autor. (Aliás, se você estiver lendo isto agora, por favor, entre em contato. Eu quero olhar nos seus olhos e dizer: “Obrigada. Você mudou a minha vida.”)

Foram 23 anos ouvindo que eu era uma pessoa difícil. Os simpatizantes da Astrologia diziam que eu era o estereótipo de Áries. Meus amigos diziam que eu era estressada. Minha família dizia que eu era explosiva e um tanto quanto rebelde.

O que eu dizia? Nada. Naquela época, eu não sabia quem eu era, só sabia que era insuficiente. Para quem? Pro mundo, ora. Para meus pais, meu trabalho, meu namorado, para o que a sociedade definia como uma jovem prodígio/bem-sucedida/linda/magra/pra casar. Fundi as expectativas e opiniões alheias e criei um monstro: minha autocobrança exacerbada. Eu me punia tanto que chegava a ser cruel. Eu, inimiga de mim.

Acredito que a Vida nos dá alguns sinais de que as coisas podem tomar um rumo diferente. Quando não os enxergamos, ela tenta alguns tropeços. Caso ainda tenhamos dificuldades de percebê-los, vêm alguns chacoalhões. No meu caso, a Vida me deu logo uma voadora.

Com 23 anos, morando longe de casa, em um relacionamento infeliz, deprimida, sedentária, comendo compulsivamente e com o diagnóstico de um pré-tumor, descoberto em uma consulta de rotina. E, agora, com um bilhete anônimo em mãos.

No dia em que o recebi, cheguei em casa, me atirei no chão e chorei escandalosamente. Uma cena de filme bem no meio da minha sala, daquelas em que o personagem vai escorregando pela parede, aos prantos, com uma música de sofrimento ao fundo. Dormi ali mesmo e sonhei com uma mulher sorridente, de voz serena e acolhedora:

“Você sabe o que fazer. Seja gentil consigo e com os outros. Você é forte e guarda todas as respostas aí dentro. Eu te amo.”

Reconheci aquele rosto: era eu.

Acordei com uma leveza que nunca havia sentido antes. Entendi que a cura de que precisava não era apenas física, mas também mental e espiritual. E que morava dentro de mim, era só uma questão de acessá-la.

Optei, então, por um tratamento alternativo: abandonei os antidepressivos, terminei o namoro, entrei na academia, passei a comer comida de verdade, feita por mim, sem pacotinhos ou conservantes. Tomei passes, passei por cirurgias espíritas, falei com Deus, falei comigo, meditei diariamente, trabalhei menos, me diverti mais, produzi o dobro.

Foi um longo caminho (e muitas biópsias) até o dia em que a doutora, sorridente, disse: “Parabéns, minha querida. Você está curada”. Emocionada, contei toda a jornada percorrida até ali. Recebi uma piscadinha de olho e uma resposta sussurrada: “Em todos esses anos de Medicina, eu já vi tantas coisas inexplicáveis, que nada mais me parece impossível.”

E foi isso mesmo: migrei das águas turvas do medo para o mar translúcido das possibilidades. Hoje, acredito que posso vencer qualquer tempestade, desde que minha coragem seja do tamanho do meu desafio. E pode acreditar que é.

É claro que ainda tenho medo. Que ainda erro — e muito. Mas a essência do aprendizado não está em eliminar as falhas, mas em reconhecê-las e perdoá-las. A busca pelo equilíbrio não é uma caça à perfeição. Ninguém vira um santo da noite pro dia. O processo mais gradual da vida é justamente a evolução do espírito.

Aproveitei também para fazer um detox dos julgamentos alheios. Hoje, as únicas opiniões que verdadeiramente mexem comigo são as da minha chefe (por razões óbvias) e as da minha mãe (por razões histórico-emocionais). A todas as outras, abro meu mais singelo e silencioso sorriso: minha representação eufemística do grande “foda-se” mental em resposta aos palpites que não foram convidados.

Descobri que não há nada mais libertador do que ser sincera com meus sentimentos e vontades. Passei a assumir para mim mesma que sentia raiva, pena, ciúmes, inveja e tantas outras palavrinhas que constam na “lista das emoções proibidas”. Fui quebrando certos paradigmas sociais e chamei o crush para tomar um chopp, respondi mensagem no Whatsapp sem esperar aqueles minutinhos pra me fazer de difícil, disse “eu te amo” sem saber se ouviria “eu também” (e não ouvi naquele dia, só depois), falei pro cara que estava envolvida e que queria algo mais sério (estamos juntos até hoje).

Seis anos se passaram desde o descobrimento de mim. Depois de tantas lições da vida, se você me perguntar quem sou, responderei sem hesitar: uma aprendiz. Tô com Sócrates e não abro: “Só sei que nada sei”.

Há os que dizem que não estão na vida a passeio. Eu tô sim! Vou passeando saltitante, observando e absorvendo, sedenta e curiosa pelas surpresas do caminho.

Fiz uma transição forçada para meu ascendente em Libra, porque a galera da Astrologia disse que, em algum momento, isso aconteceria naturalmente. Ariana que sou, não quis esperar (rs).

Desde então, eu sigo nessa dualidade entre tempestade e calmaria, emoção e razão, densidade e leveza. Não é preciso ser um buda para ter equilíbrio, mas uma dose de sensatez não faz mal a ninguém.

Muito prazer: Lara.

Eu não sou zen. Eu só estou sob controle.

--

--