Sobre irmãos

O Toda Palavra de hoje caiu no aniversário da minha irmã. Acho uma boa oportunidade para falarmos deste laço familiar.

Lara Gondim Toledo
TodaPalavra
4 min readMay 23, 2018

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Eu e Lu, na formatura dela :)

Quando criança, eu simplesmente amava a existência da Luiza. Ela era o que faltava para completar a brincadeira. Os jogos infantis, em sua maioria, são feitos para um mínimo de dois participantes. Ao menos, na minha época, era assim. Não sei bem como funciona na era dos tablets e seus mundos individuais isolados. Nosso jogo favorito era “Cara-a-Cara”. Passávamos horas brincando, em rodadas infinitas e em quase total harmonia. O ‘quase’ se deve ao fato de que Luiza não sabia perder e, por isso, sempre rolava um estresse quando eu ganhava a partida. Normal, faz parte.

De repente, eu cresci. Fiquei “mocinha” de corpo e mente. As brincadeiras não mais me interessavam. Eu queria era bater perna com as amigas no shopping, ir ao cinema com o gatinho da escola e passar horas conversando no ICQ (se você não teve ICQ, talvez tenha usado o mIRC. Se você não sabe do que estou falando, provavelmente é de outra geração. Pesquise no Google.).

Eu estava muito ocupada tentando acelerar minha entrada na vida adulta. Simplesmente não havia mais tempo para a Luiza. Passei a achá-la boba, com sua molecagem e sua visão inocente do mundo. Levá-la comigo às festinhas? Nem pensar! “Que mico, mãe!”

A Lu, por sua vez, sentiu a minha falta. E, como toda criança que quer chamar a atenção, virou uma pentelha. Ô criatura para implicar comigo! E isso só me afastava ainda mais… Hoje, eu entendo o que acontecia ali: minha irmã era o espelho daquilo que eu queria esconder em mim. Eu vivia negando minha infância, aquela vontade oculta de assistir desenho e brincar de boneca. Aquilo não se encaixava na Lara adolescente e não podia mais existir. Mas a Lu escancarava essa imagem na minha cara, e isso me incomodava. Boba era eu. O mundo precisa mesmo é de gente que sabe ser criança de vez em quando…

Minha irmã cresceu e se tornou uma adolescente com as mesmas questões que tive. Em uma família conservadora, só tínhamos uma à outra para conversar sobre os dramas e dúvidas da juventude. Naturalmente, nos reaproximamos. Mais do que isso: viramos cúmplices, confidentes, parceiras nos momentos bons e também nas merdas que fazíamos e tentávamos esconder dos nossos pais (mal aê, papis e mamis). E foi na frente de uma Luiza em prantos, em um dos momentos de maior descoberta e medo de sua vida, que eu a abracei e disse que a amava pela primeira vez.

Que coisa louca que é o amor fraterno! Sei que muitas pessoas não têm com seus irmãos a relação especial que eu tenho. Independente disso, parem para pensar: tem alguém que carrega um pedaço de você neste planeta. Um mesmo material genético que, combinado de diferentes formas, gera indivíduos completamente distintos e, ao mesmo tempo, ligeiramente semelhantes. “Caramba, você e sua irmã são muito parecidas!” “Você tem o sorriso do seu irmão.”

Isso vai além de aspectos físicos. Veja a família como uma grande constelação, em que cada ser está ligado por laços energéticos e espirituais que se perpetuam através do tempo. Os irmãos, portanto, carregam a mesma ancestralidade, as mesmas questões de muitas e muitas vidas que geraram o que somos hoje.

Se você não se dá bem com seu irmão, pense que, no mínimo, ele é um portador da sua história. Não foi à toa que dois espíritos antagônicos foram colocados em um mesmo ambiente familiar. Tenha a certeza de que boa parte de sua evolução até aqui se deve a isso. Portanto, mesmo que de longe, seja grato e envie a ele o mais puro amor incondicional. O amor, ainda que não correspondido, é a maior cura que existe.

Se você e sua irmã estão distantes emocional e geograficamente, experimente ligar de surpresa, só para dizer que agradece a ela por fazer parte de sua vida e pelo aprendizado que isso te proporcionou. A vida terrena é um sopro. Não espere que ela passe e leve embora um sem-fim de palavras não ditas.

E se, assim como eu, você tem a sorte de ter uma relação incrível com seu irmão, eu só posso pedir que cultive isto para sempre. Meu zelo pela Luiza vai além dos limites físicos. É um amor maior do que eu mesma, uma gratidão imensa somente por ela existir. É o desejo genuíno de que ela seja a pessoa mais feliz do mundo. Isso, para mim, é a essência do amor fraterno.

Eu sei que os amigos são os irmãos que você pode escolher. Mas os irmãos… estes foram escolhidos por Deus. Acredite: há um propósito lindo por trás disso.

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