As urgências que transformam a vida em um mar de ressaca

Carolina Firmino
Todas as estações
2 min readJan 10, 2019

“Não se deixe tanto tempo longe do mar”, eu disse a mim mesma durante a última viagem à praia. Demorei eternos três anos entre um encontro e outro, e percebi o quanto estar com ele me faz bem. Gosto do mar calmo, de sentir as ondas baterem devagar contra o corpo e do sal misturado na saliva. Adoro o cheiro de água na pele, do arrepio que esquenta quando bate o sol e dos olhos que ardem, mas logo se acostumam com a paisagem e as gotinhas nos cílios. Gosto do mar calmo, porque esfrega minha alma com cuidado. Arde devagar onde tiver que arder, mas cicatriza na mesma intensidade.

Não é fácil transformar ressaca em mar calmo, mas sigo tentando

O problema é que mar calmo é aquela visita boa que a gente recebe uma vez no ano. Na verdade, a vida é mesmo um mar de ressaca, com rajadas de vento e ondas que devastam. Todo dia, vivemos embriagados nos prazos, nas urgências e nas obrigações da manhã seguinte, somos tragados pela força do tempo e pela falta dele. Arrastados sem resistir. Quem disse que mar calmo nunca fez bom marinheiro, tinha razão, em partes. Afinal, é depois das ressacas que encontramos a força necessária para enfrentar as águas turbulentas. No entanto, cada vez mais, acredito que a felicidade vem com a calmaria, que ainda evitamos por medo de não ser o suficiente para chegar aonde queremos chegar.

Por que? Estamos sempre com pressa. Atropelamos vontades, pessoas e, o principal, nos esquecemos de quem éramos antes de tantas expectativas que criamos ao longo da vida. São poucos os dias que passo sem pensar no que preciso ser — no trabalho, nos relacionamentos — e escolho apenas ser. Tirar os pés do chão. Soltá-los como faço quando o mar está calmo, deixar que os movimentos das ondas e o equilíbrio mantenham meu corpo na superfície. Não fincar os calcanhares com tanta dureza, por medo de cair ou me afogar.

Diminuir os ares de ressaca da vida é uma batalha constante. Ressignificar as urgências e não se tornar um refém delas, também. Assim como o surfista, que se senta sobre a prancha, e observa com paciência aquela imensidão azul antes de a melhor onda aparecer, a gente precisa acreditar que algo está por vir. Sem a expectativa do que deveria vir ou não. Deixar que venha e, com calma, viver.

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Carolina Firmino
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Jornalista, capricorniana, adora ler e falar sobre a vida. Combina tudo com cerveja.