Sobre fazer as pazes com a música que mora em mim

Carolina Firmino
Todas as estações
3 min readJun 13, 2019

Meu pai já foi viciado em CDs.

Na minha casa, durante muito tempo, algumas brigas giraram em torno disso: por que comprar tantos? E ainda tinha os discos, as caixas de som, e uns botões que até hoje eu não sei como mexer. Tudo isso ficava em uma das salas — não me lembro se já tínhamos sofá — com tapete e persiana marrons. Minha memória fotográfica não é das melhores, mas a afetiva me faz associar cheiros e músicas a pessoas ou fases da vida, o que me deixou sem usar hidratante de morango com champanhe desde os 19 anos, ficar quase cinco sem comer purê de mandioquinha e passar os últimos meses sem muita vontade de ouvir músicas. A primeira memória tem a ver com um cara do passado que me traz lembranças ruins e a outra é sobre a comida preferida daquele que foi minha primeira decepção amorosa, como mulher adulta. O hidratante eu descobri que não gosto mesmo e a mandioquinha foi totalmente superada, já faz parte dos meus almoços pelo menos uma vez na semana. Mas o lance das músicas têm outra explicação.

Eu amava a sala com os CDs e as caixas de som do meu pai. Sempre que podia, deitava no tapete e passava horas descobrindo músicas que nunca tinha ouvido. Conheci The Carpenters com Mr. Postman, repetia incansavelmente Blaze Of Glory do Bon Jovi e cantava Bed Of Roses com a alma. Fiquei alucinada quando encontrei a coletânea One, com os principais singles dos Beatles e confesso que ouvi Take That a primeira vez com Back for Good no álbum da novela Explode Coração. Foo Figthers, Pearl Jam e Pink Floyd escutei em um CD de músicas de rock aleatórias que eu carregava pra cima e pra baixo como se fosse meu, assim como o Morning Glory, do Oasis. Também foi ali na sala que conheci Nenhum de Nós e aquela que seria uma das minhas músicas preferidas até hoje: Julho de 83; depois vieram Biquíni Cavadão, Zélia Duncan e Kid Abelha. Escutava tudo isso sem abandonar o Backstreet Boys no som adolescente do meu quarto, mas a sala era minha conexão com a intuição dentro de mim.

Eu me sentia curiosa, confiante e viva a cada descoberta musical.

“Take a sad song and make it better” ❤

Desde o final do ano passado, tudo isso desapareceu e qualquer canção me incomodava. Preferia o silêncio no escuro do meu quarto porque era exatamente o que tinha dentro de mim. Sabe quando a gente é surpreendido de maneira não agradável e um minuto dura uma eternidade? Era esse silêncio eterno que eu sentia há meses. Pensar que nenhuma música conseguiria me colocar de volta naquela sala de sentimentos tão bons me fazia evitá-las. Não fisicamente, porque ela não existe mais do jeito que era há quase 20 anos, mas emocionalmente. Segura, forte e inteira, no auge dos meus 12, 13 anos, cheia de certezas que foram caindo por terra conforme a idade avançou e os problemas surgiram.

Ainda bem que as últimas semanas me permitiram a pausa que eu precisava pra começar a trocar o silêncio incômodo pelo autocuidado. Muita coisa teve que acontecer, mas ontem eu finalmente fiz as pazes com a música que mora em mim. Também retornei à academia, arrumei o guarda-roupa, parei de acumular louça e papéis de doce espalhados pelo apartamento, voltei a cozinhar, retomei um livro que estava parado e, finalmente, depois de longos meses, tenho uma playlist nova pra ouvir tomando banho. Besteira, diante de toda complexidade da vida e das crises no mundo. Pra mim, que andava vazia, uma reconciliação incrível.

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Carolina Firmino
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Jornalista, capricorniana, adora ler e falar sobre a vida. Combina tudo com cerveja.