TODXS
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4 min readJul 24, 2019

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Quem nunca se deparou com a clássica pergunta: “Como foi seu primeiro beijo”?. Se você for homossexual, como eu, com certeza parou por dois segundos (que pareceram uma eternidade) para ponderar se deveria responder sobre o primeiro beijo, ou sobre o que você considera o primeiro válido.

Eu poderia responder que meu primeiro beijo de língua foi com um garoto chamado Guilherme — depois de muitos selinhos com outros garotos como Gabriel ou Kleyton. Mas a verdade é simples, nua e crua: todas as minhas experiências de beijo heterossexual tiveram em mim, fisicamente e psicologicamente, exatamente o mesmo efeito de tomar uma cerveja quente ou uma coca sem gás.

Já tomou cerveja quente ou coca sem gás? Não é insuportável a ponto de você jogar a garrafa longe e gritar a plenos pulmões “BLEEEERRRGH!!!! QUE NOJO!!!”, mas com certeza é sem graça o suficiente pra você se questionar: aff, por que eu estou tomando isso mesmo?

O mais engraçado é que desde os 4 anos eu já sabia que sentia interesse exclusivamente por meninas, mas a inocência em não saber que interesse era esse e a pressão da sociedade me fizeram insistir em garotos.

Eu lembro de ter 13 anos, algumas experiências com beijos, mas sempre me questionava qual era a graça do beijo, por que as pessoas gostavam tanto de beijar e só falavam nisso o tempo todo, se toda vez que eu beijava era a coisa mais sem graça e entediante que eu já tinha feito na minha vida inteira. E o pior: nem passava pela minha cabeça que, talvez, se eu beijasse uma menina as coisas poderiam ser diferentes.

Um belo dia estava saindo da escola e passei por uma loja onde uma amiga da minha irmã mais velha trabalhava, a F. Ela me viu passando, chamou e pediu para entregar uma carta que ela tinha escrito para a minha irmã (não existia Whatsapp ou Instagram na época). Eu disse que entregaria, claro. Mas ela também aproveitou e disse que me achava muito legal, que já estava de saída do trabalho e perguntou se eu queria dar uma volta na praça que tinha ali perto para conversarmos e nos conhecermos melhor. Topei!

Estávamos as duas, eu e F., andando por essa praça que era bem escondida e não tinha ninguém por perto. Ela começou falando que era muito legal da minha parte entregar a carta, que minha irmã falava muito de mim e que ela e eu tínhamos muito em comum e poderíamos ser amigas. Ficamos mais ou menos uma hora jogando conversa fora sobre música, filmes, escola e outros assuntos. Até que deu a hora de eu ir embora, pois estava escurecendo.

Começamos a andar de volta para a avenida principal e, no meio do caminho, tinha uma casa com uma roseira enorme. Ela olhou com os olhos brilhando e disse “Nossa, que rosas lindas!”. Eu, que já era uma sapateen não praticante, mas que mandava bem no xaveco e achava ela uma gata, subi no muro e roubei uma rosa. Entreguei pra ela, e foi quando o inesperado e mágico aconteceu.

Ela agradeceu e me abraçou. Sem desgrudar do abraço, ela me deu um beijo na bochecha, em seguida um beijo mais próximo da boca, depois no canto da boca… E aí ela me beijou!

ANJOS DESCERAM DOS CÉUS TOCANDO SUAS TROMBETAS! FOGOS DE ARTIFÍCIO EXPLODIRAM NOS CÉUS! UM CORAL DE ELFOS CANTOU ALELUIA!

A boca dela era tão suave, os lábios grossos que buscavam os meus com vontade, os corpos grudados, minha barriga cheia de borboletas, me sentindo cada vez mais quente, com muito calor, e eu mal conseguia respirar. Eu queria que aquele momento nunca acabasse. Nunca!

Nossas bocas se separaram, ela me olhou nos olhos profundamente, e eu disse: “Uau! Agora eu entendi.”, ela riu.

Ela nunca perguntou o que eu tinha entendido, não precisava, estava claro. Talvez ela já soubesse que eu era uma lésbica presa no escuro do armário e que precisava só dar uma espiadinha pra fora pra me libertar. Foi isso que ela fez, me libertou!

Depois daquele momento eu entendi que todas as minhas experiências com garotos tinham sido basicamente uma perda de tempo, que não tiveram importância nenhuma na minha vida e que só tinham me afastado de momentos incríveis como esse, de sentir um calor no peito e no corpo que aqueles garotos nunca seriam capazes de me fazer sentir. Naquele momento eu entendi o que significava o meu interesse em garotas, por que elas pareciam tão atraentes pra mim e porque eu não queria ser apenas amiga delas.

É claro que minha irmã descobriu, rolaram alguns problemas e eu nunca mais vi a F. Nunca mais beijei a boca dela. Mas também nunca mais esqueci. Porque foi ali, naquele breve momento, que minha vida de verdade começou.

Bianka tem 28 anos, é de São Paulo e estuda psicologia. Começou a criar conteúdo para a internet em 2011 com o blog sapatomica.com, onde abordava cultura e sexualidade lésbica. Agora cria vídeos para o YouTube e IGTV dando conselhos de amor e opinando sobre assuntos relevantes a Diversidade e Feminismo. Empreendedora, também produz a Sapatomica, festa exclusiva para mulheres (todas) que acontece na noite de São Paulo.

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