TODXS
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6 min readDec 8, 2019

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Afinal, o que é uma família?

Tem família por aí de tio criando a filha da irmã que morreu, avós que cuidam dos netos em outra cidade, casais que nunca decidiram ter filhos, casais que tiveram filhos sem querer e cedo demais, mãe cuidando de filhos sozinhas, algumas com pais fazendo isso, casais com 25 anos de diferença de idade. Famílias com afilhados estrangeiros, enteados que são os filhos que alguém não teve, irmãos que tiveram que se virar sozinhos. Famílias de sangue, famílias que a vida deu, famílias que a gente escolheu.

A noção de família vem sendo distorcida, mas a realidade é que família é o que você decidir que é. Hoje é dia da família, e nós trouxemos três exemplos de família, história de três lindas, emocionantes e de diferentes formatos.

Ivone e Carla

Eu e Carla nos conhecemos na casa de uma grande amiga aqui de São Paulo. Hoje, nossa família é formada então por duas mães e dois filhos por adoção, irmãos biológicos e adotados juntos quando tinham a idade de 7 e 3 anos. Hoje o Luiz já está com 11 e a Vitória com 7 anos.

O processo de adoção, no geral, foi rápido, mas quando a pessoa ou casal está esperando, parece uma eternidade. Levamos seis meses no processo de habilitação do fórum, que envolve a análise psicológica e social, e um ano aguardando as crianças.

O perfil de criança que queríamos era bem abrangente e isso ajudou a diminuir o tempo de espera: podiam ser irmãos (não obrigatório), idade até 06 anos (Luiz chegou com 07), independente de cor ou sexo.

Aprender a ser mãe não foi fácil, e por isso nós sempre ficávamos muito nervosas em qualquer fase do processo de adoção porque somos avaliadas a todo momento. Em uma das visitas à nossa casa, a psicóloga do processo perguntou para as crianças: qual a comida mais gostosa que a mamãe faz?

Naquela época, a mamãe aqui não cozinhava nada, mas estava se esforçando. Pegando receita no Youtube e aquelas coisas de mãe nova. Eu pensei que eles iriam falar que era o bolo, a carne de panela e etc.

A resposta: miojo!!!

Vocês não imaginam a minha cara nessa hora. Todo mundo começou a rir e eu não sabia o que fazer. Quase cai dura, porque fiquei preocupada de sair no relatório: Criança só come miojo.

Uma coisa que descobrimos depois de sermos mães é que as crianças estão de olho em tudo. Eles repetem as “falas” da família, imitam o jeito que a gente fala uma com a outra e o comportamento em algumas situações. Imitam TUDO o que as mães fazem e gravam (a ferro e fogo) aquelas coisas que gostaríamos de esquecer. Olha o tamanho da responsabilidade!

Para nós ser uma família LGBT é libertador, apesar dos medos e desafios, que existem e são muitos. Os filhos trazem a possibilidade de um novo olhar sobre si mesmo e os “armários” precisam ser quebrados. Aprendemos a cada dia com eles e, sempre que possível, conversamos e vivenciamos situações de diversidade como: famílias diversas, pessoas diversas, situações e escolhas. É um processo trabalhoso, porém muito enriquecedor!

Laercio e Adriano

Sou casado há 1 ano com o Adriano e pai de três filhos: Francisco, de 28 anos; Antonio, de 25 anos e João, 18 anos. Todos filhos nascidos do meu casamento anterior com Silvia Helena, com quem fiquei casado por 24 anos.

No meu casamento com o Adriano, todos os meus três filhos estavam na primeira fileira: dois pessoalmente e o terceiro via face time direto do Colorado, nos EUA, onde ele estava estagiando.

Eu assumi a minha sexualidade aos 52 anos e tenho um relacionamento bem maduro e divertido com meus filhos. Eles me aceitam, gostam do meu marido e costumam passar de 2 a 3 dias por semana na minha casa.

Também tenho um bom relacionamento com a mãe deles, conversamos sobre os problemas dos meninos, sobre o futuro deles. A separação foi amigável, sem maiores traumas.

Hoje sou 100% assumido, vivo uma vida bem aberta sem medos e entendo que a razão desta aceitação está no fato de eu me aceitar e ter orgulho das minhas decisões, além de ser muito feliz.

Camila e Tatiana

Tudo começou quando duas amigas nossas identificaram nossas “almas gêmeas” e se esforçaram para nos conhecermos. A Tati nem queria, segundo ela: não gostava de loiras! Olha como é o destino, né? Agora a esposa e as três filhas (incluindo a canina) são loiras.

Depois de um tempo conversando pelo Facebook, marcamos de encontrar. Desde então, não conseguimos ficar um dia sequer sem se ver. Coisa de alma mesmo, sabe?

Desde o início do namoro comentávamos sobre o desejo de sermos mães. Depois de um tempo começamos a coletar os óvulos e congelar. Primeiro, veio nossa filha canina e dois anos e meio depois sentimos que era a hora de aumentar a família. Não sei explicar… mas sentimos que tinha chegado o momento!

Optamos pela inseminação artificial. Pensamos na possibilidade de adoção, mas acabamos decidindo tentar primeiro a inseminação. Por sorte, conseguimos na primeira tentativa! E ainda tivemos o bônus de ser gemelar, depois de termos implantado dois embriões para ter mais chance de dar certo ao menos um.

Realizamos todos os procedimentos de coleta de óvulo e inseminação na USP de Ribeirão Preto! Escolhemos lá por ser um grande centro de referência da área e tivemos a sorte de encontrar pessoas e profissionais incríveis por lá

Coletamos os óvulos e compramos os espermatozoides de um banco brasileiro. É possível escolher muitas características do doador! A partir daí, decidimos que a Tati engravidaria, já que ela tinha esse desejo. E também porque ela é mais corajosa do que eu.

A gravidez foi bem difícil…a Tati teve um sangramento com oito semanas e depois disso nunca mais nos tranquilizamos, embora não tenha tido outra intercorrência. A barriga dela ficou enorme e no final da gestação ela mal conseguia respirar e dormia sentada.

As meninas nasceram com 37 semanas, por cesária, e nasceram bem! Ficamos no hospital por dois dias e quando tivemos alta, eu entrei em pânico. Elas eram minúsculas (2kg) e eu pensei que não seria capaz de cuidar delas. Mas no final deu tudo certo…não somos mães perfeitas, mas com certeza fazemos o nosso melhor.

Conseguimos licença maternidade dupla, mas tivemos que entrar na justiça.
Hoje, somos uma família LGBTI+ e levamos isso com naturalidade, como deve ser! Mas infelizmente o mundo que nos rodeia ainda é bastante preconceituoso e somos obrigadas a encarar comentários do tipo: mas elas são suas filhas ou da Tati?

Socialmente, nos apresentamos como família em todas as ocasiões. Faço questão disso e acho que esta é nossa contribuição para a luta LGBTI+: mostrar que existimos e que somos uma família como qualquer outro formato.

Nos preocupamos com o bem-estar das meninas e a forma como a sociedade vai incluí-las ou excluí-las. Nos preocupamos em encontrar uma escola com perfil inclusivo e tratamos a questão paterna como uma figura familiar que pode ou não estar presente em uma configuração de família (como tio, avó, primo, etc). Tenho sim medo delas sofrerem preconceitos ou agressões, infelizmente, mas espero estar preparada para ampará-las e orientá-las.

Você também faz parte de uma família não tradicional ? Conte sua história pra gente ❤

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