As eleições dos Conselhos Tutelares estão chegando: e eu com isso?

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4 min readOct 2, 2019

Apesar de esquecida ou desconhecida por muitos, cargo é central na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, LGBTI+ ou não

Texto por Vítor Oliveira

Na cultura política brasileira, temos um certo costume de dar forte atenção às eleições para o Poder Executivo, isto é, presidência, governo estaduais e prefeituras. Nas eleições para o Legislativo, nossa atenção já cai um pouco. E se nesse nível de poder, que é super relevante, isso já acontece, imagine como estão as eleições para cargos das esferas de “menor poder”?

No dia 6 de outubro, serão realizadas as eleições para cargos dos Conselhos Tutelares de todos os municípios brasileiros, uma votação facultativa e que passa despercebida para muita gente, elegendo muitas pessoas sem as habilidades necessárias para trabalhar diretamente com crianças e adolescentes.

Por que eu, como LGBTI+, devo me preocupar com essas eleições?

A CNN Brasil publicou nesta semana um artigo que denuncia a batalha da religião pelo domínio dos cargos de conselhos tutelares, lutando, principalmente, para o controle da abordagem de gênero e sexualidade nas escolas. Para se ter uma ideia, em 2017, a apresentação de uma drag queen em um colégio de Juiz de Fora (MG) motivou protestos do conselheiro tutelar Abraão Fernandes, que chegou a pedir que o Ministério Público investigasse o caso dizendo que a apresentação queria “destruir a família tradicional”.

Esse não é um cargo que pode ser exercido movido pela fé. Porém, como o voto é facultativo, candidatos apoiados por organizações capazes de engajar eleitores, como igrejas, saem na frente.

O trabalho de desse cargo vai muito além da atuação escolar, como citado no exemplo acima. Às vezes, é um trabalho que pode salvar vidas. A pessoa que vai exercer o cargo precisa estar preparada para tratar de casos dentro de casa também, como o de crianças e adolescentes vítimas de LGBTIfobia pela família.

Busca no Facebook revela dezenas de candidatos que se apresentam como pastores ou usam passagens bíblicas no material de campanha — Foto: CNN

Mas afinal, qual é o papel de quem está à frente de um Conselho Tutelar?

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Conselho Tutelar é responsável por “zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”.

Na prática, isso significa que as pessoas eleitas para os Conselhos atuam conforme o ECA em parceria com as escolas, organizações sociais e serviços públicos, fazendo um importante trabalho de atendimento a crianças e adolescentes e, consequentemente, de proteção de seus direitos.

Além disso, uma informação que mostra a importância desse cargo é que “as decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.”

Como funcionam as eleições e quem pode votar?

Até as eleições passadas, a pessoa só precisava ter mais de 21 anos, residir no município para o qual está concorrendo e ter “reconhecida idoneidade moral” para se candidatar ao cargo. Porém, neste ano, dentre as mudanças adotadas em algumas cidades, está a necessidade de comprovar “reconhecida experiência na área de defesa ou atendimento aos direitos da criança e do adolescente”. Ou seja, nos anos anteriores provavelmente até você, que está lendo isso e nunca trabalhou com isso, poderia concorrer.

Já para votar, é necessário apenas ter mais de 16 anos e estar em situação regular com a justiça eleitoral. Simples. O voto é universal, direto, secreto e facultativo. Para participar, as pessoas interessadas deverão comparecer aos locais de votação munidas de título de eleitor e RG.

E por que deveríamos nos preocupar com essas eleições?

No momento atual, no qual as crianças e adolescentes acabam sempre colocadas no centro dos debates ideológicos, a atenção que damos a esse cargo se torna central. Isso se potencializa ainda mais no atual governo, cujos representantes constantemente atacam o ECA e às instituições que promovem os direitos humanos desta população.

É importante que as pessoas eleitas tenham respeito e sensibilidade para lidar com realidades diferentes das que estão acostumadas. Uma pessoa engessada não combina com um cargo tão delicado como esse, já que ela irá lidar diariamente com temas sensíveis como evasão escolar, violência doméstica, abuso sexual e conflitos familiares.

Por isso, se torna central o reconhecimento por parte desses profissionais de questão atreladas às características pessoais de cada criança e adolescente, o que inclui, por exemplo, a questão da identidade sexual e orientação de gênero. Mas se parte da sociedade entende essas questões como simples “ideologia de gênero”, algo que deve ser combatido, como questões relacionadas a isso serão trabalhadas e levadas para a justiça?

As dificuldades são muitas para se conhecer as pessoas que se candidataram às eleições, mas é importantíssimo que procuremos, com todas as nossas forças, pessoas que dialoguem com ideais de diversidade e de respeito. Se queremos uma sociedade que trate todas as pessoas como iguais, não podemos negligenciar jamais às crianças e adolescentes.

E, por trabalharem diretamente com esse público, não podemos negligenciar as eleições do Conselho Tutelar. E, muito além disso, não podemos esquecer que muitas dessas crianças e adolescentes, além de enfrentarem os problemas comuns que são tão noticiados todos os dias, podem ainda ser LGBTI+ e sofrer ainda mais dificuldades nessa

Para saber os locais de votação para a eleição, entre em contato com o Conselho Tutelar de sua cidade ou acesse o site do Tribunal Regional Eleitoral de seu estado.

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