Mesmo que na boa intenção, por desconhecimento ou excesso de curiosidade, uma pessoa cis pode ofender, incomodar e até mesmo invadir a privacidade de uma pessoa trans. Para evitar constrangimentos — você, pessoa cis bem intencionada — veja as dicas de Julio Sampaio, coordenador de Projetos no time de Inovação da TODXS, nessa lista importantíssima para quebrar esses estereótipos e confusões mais comuns e que envolvem a identidade de gênero.
Não é porque sou trans que minha vida é um livro aberto
Já perdi a conta de quantas vezes pessoas aleatórias perguntam questões por eu ser Trans.
“Seus pais sabem?”
“Sua família te aceita?’’
“Você toma hormônios?”
“Como foi se descobrir trans?”
“Como você transa?”
Para não passar vergonha, siga o manual:
1) Você perguntaria isso à uma pessoa desconhecida? Se não, não pergunte.
2) O Google tem essa informação?
3) E sempre peça permissão antes de perguntar.
Não é porque sou trans, que sou gênero binário
Sim, há homens e mulheres, mas há outras pessoas com gêneros fora desses padrões.
Pessoas não binárias podem se identificar como homem não binário, mulher não binária, pessoa não binária, gênero fluido, etc. Eu tive a sorte de ter uma pessoa não binária me ajudando a entender o que é o gênero e como todo esse caminho é pessoal. Cada pessoa tem sua própria forma de ser e devemos respeitar todxs.
Não é porque eu sou trans que sou heterossexual
O gênero não define sexualidade, então podemos nos atrair por quem quer que seja, binário ou não.
Mulher trans e travesti pode ser lésbica, bissexual, hétera, demissexual, assexual, etc
Homem trans pode ser hétero, gay, bissexual, demissexual, assexual, etc.
Tem gente que nasce para ser o arco-íris inteiro.
Não é porque eu sou trans que necessariamente vou tomar hormônio (ou que isso seja da sua conta)
Parece um postulado que toda pessoa transgênero quer/deve tomar hormônios. Há condições médicas que proíbem o tratamento hormonal, é um tratamento caro e não universal. A hormonização é algo que não cabe a ninguém perguntar ou postular.
Estamos em grande número e somos pessoas com suas particularidades, não pensamos em uníssono. A opção de como lidar com a disforia é de cada um.
Obs: Disforia é a sensação que pessoa trans têm. No meu caso, é como se eu estivesse algo muito errado em mim e meu corpo não tivesse conexão com a minha consciência. Podem juntar com crises de ansiedade, pânico, depressão, e assim vai.
Não é porque sou trans que vou falar de cirurgia de redesignação como se fosse sobre astrologia
“Qual seu signo? E cirurgia vai fazer? Como é?”
É tão mas tão pessoal que não faria sentido em nenhum contexto, entretanto me perguntam isso diariamente. Então, se você não perguntaria isso a um estranho, não pergunte a uma pessoa trans.
Não é porque eu sou trans que quero transar com você
Como não somos padrões corporais e comportamentais, é comum sermos tratadxs como objetos sexuais. O que é mais violento e evidente no caso das travestis (peço licença para as manas travestis para colocar isso aqui).
Não é porque sou trans que não mereço emprego
É muito mais difícil para pessoas trans serem aceitas em ambientes escolares, o que aumenta a evasão escolar. Além disso, a opção de trabalho é escasso. Já ouvi de entrevistador que ele queria me “poupar de pessoas transfóbicas”, “que não é o lugar certo para pessoas como eu”, dentre outras desculpas.
O desemprego força as pessoas a prostituição e a estimativa é que 90% das pessoas trans recorram a prostituição em algum momento da sua vida, de acordo com estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).
Não é porque sou trans que sou somente isso
Somos seres humanos profundos e ser trans é uma característica. Às vezes, me sinto um chaveiro de diversidade e representação do que é ser um homem transgênero. Sou militante e sei a importância de representação, o que não muda o fato que gosto de ser tratado como um ser humano com uma personalidade que vai além do meu gênero.
Não é porque sou trans que quero/vou me encaixar no padrão corporal
“Imagina se você emagrecer”
“Já vejo você bombando na academia”
“Acho essa roupa muito purpurina”
E relato de manas migas minhas:
“Você não têm músculo demais?”
“Tem que botar mais peito”
“Com barba não dá”
Não preciso dizer porque não é OK
Não é porque você sabe que sou trans que você possui o direito de me tirar do armário
Eu tinha um casal de amigas com quem eu falava abertamente sobre ser trans. Por essa razão elas acharam OK espalhar essa notícia para pessoas do meu convívio. Ser trans é perigoso (a expectativa de vida é de 35 anos — União Nacional LGBT) e a decisão de contar ou não para as pessoa ao nosso redor é somente nossa.
Contar para o mundo acarreta diversas consequências e violências então nós decidimos se, quando, quem, onde, e como vamos contar.
Não é porque você é cisgênero que você vai entender o que é ser transgênero
A sensação de disforia é algo que só se sente passando. Por mais que você tenha empatia e leia sobre você não faz ideia do que pessoas trans passam, então não tente normatizar uma sensação ou dizer que você se sente igual. Aceite que há sensações além da sua capacidade de sentir ou estudar.
Não é porque que você é LGB (ou qualquer outra orientação sexual) que não pode ser transfóbico
As piores transfobias eu passei em espaços LGBTI+ com pessoas LGB. Na minha opinião a desconstrução não deve parar naquilo que nos liberta mas sim naquilo que liberta a todxs.
Não é porque sou trans que não tenho privilégios
Como homem branco trans, tenho muitos privilégios de cor, gênero e de classe. Eu considero essencial estudar sobre interseccionalidade para quebrar meus preconceitos, ter empatia por todxs e não ser um babaca. É importante buscar causas que libertem todxs as pessoas.
