Daniela Vega: representatividade no cinema e a transfobia institucional

TODXS
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3 min readMar 14, 2018

- Meu nome é Mariana Vidal. Tem algum problema com isso?

- Você disse que era Daniel. Como vou tratá-la?

- Daniel não. Trate-a como mulher.

Esses são os primeiros segundos do trailer de “Uma mulher fantástica”, filme chileno que venceu o Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro. O primeiro longa-metragem do Chile a levar uma estatueta é também pioneiro na representatividade. Marina, a protagonista da película, é uma jovem transexual. Daniela Vega, sua intérprete, também é trans. Essa simples coincidência entre personagem e atriz, infelizmente, é algo poucas vezes visto na indústria cinematográfica e de entretenimento em geral.

Apesar da temática trans não ser nova em grandes produções, na esmagadora maioria das vezes, os atores que interpretam tais papéis são cis. Citando apenas dois exemplos mais recentes: o “Clube de Compras Dallas” (2013), vencedor de três estatuetas, teve Jared Leto interpretando Rayon, personagem trans. “A garota dinamarquesa” (2015) é outro: Eddie Redmayne interpreta Lili Elbe, conhecida por ser uma das primeiras pessoas transgêneras a fazer a cirurgia de mudança de sexo em 1930.

No Brasil, na novela “A Força do Querer”, um homem trans também foi interpretado por uma menina cis: a atriz Carol Duarte. Ou seja, embora a temática apareça na indústria do entretenimento, artistas trans quase sempre são esquecidos: até mesmo para interpretar papéis os quais são muito próximos a sua realidade. Personalidades culturais da cena T brasileira lançaram recentemente o movimento “Representatividade Trans”, justamente para questionar essa preferência por pessoas cis mesmo quando a temática é a da realidade T.

REPRESENTATIVIDADE é o ato de estarmos PRESENTES.

Não existe meia representatividade.

Ou se tem ou não se tem.

Precisamos ser vistas e vistos, reconhecides através de referências concretas, da presença dos nossos corpos, que carregam nossas histórias.

Para a maioria da população Trans jovem ou “não-assumida” é nos filmes e na televisão a primeira, senão a única vez, que se vêem representades.

Trecho retirado da página do Facebook “Representatividade Trans”.

Daniela Vega, nesse sentido, vem mostrar para uma indústria que está se transformando — com o combate mais veemente ao machismo e racismo, por exemplo — que está mais do que na hora de tirar a “meia representatividade” de cena. É a primeira trans a figurar entre o time de apresentadores de indicados ao prêmio e também estrelou o primeiro filme com uma atriz trans premiado na mesma cerimônia. Nesta mesma edição, Yance Ford foi o primeiro cineasta trans indicado ao prêmio por “Strong Island”, documentário sobre o racismo e as falhas no sistema judiciário.

Daniela Vega: atriz trans e chilena quebra paradigmas em Hollywood

O espaço na arte importa e pode impactar diretamente na vida política da sociedade chilena. Um pouco depois do Oscar, na terça-feira (07/03), o prefeito de sua cidade natal, Ñuñoa, disse que não seria possível nomear Daniela como cidadã ilustre pois, em sua documentação, consta seu nome de nascimento — masculino. Em coletiva de imprensa, a atriz já tinha criticado a falta de amparo jurídico para pessoas trans:

“Em minha identidade, tem um nome que não é meu nome. E é assim pois o país onde nasci não me entrega essa possibilidade. E o tempo passa, o relógio corre, e nós morremos esperando isso”.

No mesmo dia, Vega foi recebida pela presidenta do Chile, Michelle Bachelet, que apresentou em 2013 uma proposta ao Senado para permitir o direito à retificação do nome e do sexo no registro de adultos — assim como o Supremo Tribunal Federal o fez recentemente no Brasil. Antes de sair do governo neste domingo (10/03), a presidenta apelou em seu Twitter sobre a urgência da aprovação do projeto.

O crescente consenso de que o Chile tenha uma lei de identidade de gênero deve se transformar em fatos concretos. Por isso, decidi dar suma urgência ao projeto que está em sua última etapa no Congresso. As pessoas transgênero não podem continuar esperando!

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