Dia do Orgulho Agênero: guia básico para entender essa identidade

19 de maio é a data oficial de celebração e orgulho para pessoas agênero

Camila Nishimoto
TODXS
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6 min readMay 19, 2020

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A gente nasce, cresce e vive em uma sociedade que nos condiciona a escolher caixas e rótulos a todo momento.

Mas nunca qualquer rótulo: apenas os que estão dentro do que é considerado aceitável. Hétero. Cis. Binário.

São caixas tão apertadas e com tantas regras conscientes e veladas que é quase impossível existir dentro delas sem sentir e sofrer alguma violência.

O clássico “azul é menino e rosa é menina” carrega uma binariedade que nem de longe corresponde à realidade, especialmente dentro da nossa comunidade LGBTI+.

Hoje queremos expandir esse “+” da nossa sigla para falar sobre pessoas agênero. Você já ouviu falar dessa identidade? O que você conhece sobre ela?

Montamos um guia inicial para entendê-la melhor e torná-la mais visível dentro da nossa bandeira!

O que significa ser uma pessoa agênero?

Acredita-se que a primeira menção à possibilidade da ausência de gênero como identificação foi feita em 1997, em um artigo no International Journal of Transgenderism.

Mas a identidade agênero só ganhou mais espaço a partir de 2014, com a criação da bandeira, validação do termo por dicionários conceituados e maior disseminação nas redes sociais.

A bandeira agênero tem 7 listas, duas pretas (1ª e 7ª), duas cinza (2ª e 6ª), duas brancas (3ª e 5) e uma verde-clara (4ª)
Bandeira do orgulho agênero, criada por Salem Fontana, em 2014. O preto e o branco representam a ausência de gênero; o cinza representa a ausência parcial de gênero; o verde simboliza os gêneros não-binários.

Ainda assim, mesmo que essa visibilidade e organização online tenha acontecido há tão pouco tempo, é certo que pessoas agênero sempre existiram.

As definições para a palavra “agênero” como identidade podem variar porque o termo ainda está em construção.

Uma das mais utilizadas e amplamente aceitas, entretanto, é a de que pessoas agênero não se identificam com gênero algum. Agênero não é um gênero, mas uma identidade.

Pessoas agênero também podem se identificar como pertencentes ao guarda-chuva não-binário e/ou transgênero.

Mas isso não é uma regra para todes, já que algumes optam por não reivindicar esses termos, em especial transgênero.

Isso porque sentem que o uso do termo implica identificar-se com um gênero que não o designado, quando, na verdade, elas não se identificam com gênero algum.

É importante também não confundir o termo “agênero” com “assexual”. Em linhas gerais, o primeiro trata da não identificação com um gênero (identidade de gênero), enquanto o segundo fala sobre não sentir atração sexual (orientação sexual).

Conversamos com Cup, youtuber e pessoa agênero, para entender melhor essa identidade.

“Eu vejo na ageneridade uma forma de ser completamente eu, sem amarras. É me desvencilhar de toda essa concepção de gênero na hora de construir a minha própria identidade. Uma pessoa agênero é alguém que não se identifica com gênero algum. Não é um gênero, é uma identidade, é uma forma de se ver no mundo”, explicou Cup.

Identidade invisibilizada e “privilégios”

A vocalização e reivindicação da identidade agênero ainda é muito recente, por isso ela ainda é pouco visibilizada. O entendimento e até mesmo o respeito muitas vezes faltam dentro da própria comunidade LGBTI+.

Para Cup, a melhor forma de mudar essa realidade é o diálogo. “Encontrar meios de inserir o debate de gênero e diversidade para tornar esse assunto menos estigmatizado e mais humano. Ainda existem muitos preconceitos sobre pautas que discutem diversidade, mas essas barreiras precisam cair”, explicou.

A gente vive em uma sociedade quase inteiramente orientada para o binário, o que limita identificações e orientações a apenas duas possibilidades.

Mas nossas existências estão muito mais próximas de um prisma multifacetado e cheio de cores.

Ainda assim, por mais que esse prisma tenha muito mais beleza, a aceitação é dificultada porque a sociedade ainda tem a dualidade como pilar. “Essa visão [binária] nos é imposta e naturalizada, de forma que nunca a questionamos. Mas essa nunca foi uma verdade humana”, comenta Cup.

“Diversas culturas têm visões sobre gênero e identidade que se constroem de formas completamente diferentes. Mas como isso se impôs como um fato inquestionável, a resistência a esse assunto é enorme. É como se fôssemos uma afronta ao que é ‘natural’, mesmo que muitas pessoas nunca tenham se perguntado como esse ‘natural’ foi construído”, questiona.

A falta de entendimento e acolhimento muitas vezes leva a situações de violência.

Em discussões online e no dia a dia, é comum que pessoas agênero recebam apontamentos de terem privilégios devido à leitura binária e cisgênera que a sociedade faz delas, ainda que elas não se identifiquem com a mesma.

“Ser agênero não significa que a pessoa vai necessariamente ser ‘passável’ (e, assim, vista como cisgênera). Não existe uma única forma de viver essa identidade. Eu recebo comentários como esse o tempo todo, visto que me coloco a público na internet. Em certos momentos sou ‘homem demais’ pra ser agênero. Em outros, estou me ‘feminilizando demais’ para ser agênero. As pessoas sempre vão querer nos colocar numa caixa. Mas estou aqui para dizer que somos muito mais que isso”, declara Cup.

“Ao romper com as expectativas binárias, tudo é válido, então haverá pessoas que se expressam de formas mais passáveis e pessoas que não. Não há uma regra. “— Cup

Pronomes e expressão de gênero

Mas se não há identificação com nenhum gênero, qual pronome devemos usar? A resposta é simples: depende da pessoa!

Cup, por exemplo, se identifica com qualquer um: ele, elu ou ela. Mas sempre vai variar de pessoa para pessoa, não existe uma regra.

Dica de ouro: se você não sabe como se referir a alguém, pergunte sempre como a pessoa deseja ser tratada.

Muitas pessoas agênero também têm preferência por uma linguagem neutra e sem pronomes.

Ser agênero não significa precisar ter uma expressão de gênero neutra ou andrógina.

Muitas pessoas ainda acreditam que a aparência de alguém precisa corresponder às expectativas binárias para com sua identidade.

Mas pessoas agênero de maneira alguma só podem usar roupas ditas “sem gênero”. Elas podem ter a expressão de gênero que desejarem e ainda assim manter sua identidade válida, uma coisa não depende da outra.

Lembretes rápidos: identidade de gênero é como a pessoa se identifica com o seu gênero. Já a expressão de gênero é o modo como cada pessoa se apresenta ao mundo. Roupa não tem gênero.

Gênero neutro é igual a sem gênero?

Ao pesquisar o termo agênero, em geral encontram-se outros termos que são tidos como sinônimos para entender a identidade.

No Brasil, o que mais aparece é “gênero neutro”, mas a comunidade agênero reitera que não são a mesma coisa.

Isso porque a expressão “gênero neutro” implica na existência da identificação com um gênero, ainda que não-binário.

Pessoas agênero, no entanto, não se identificam com nenhum gênero, seja ele binário, não-binário ou neutro. Aí reside a diferença entre um e outro.

Agênero e com orgulho

Em um mundo onde nem sempre se tem referências que não vivem dentro das caixas binárias que nos são impostas, crescer e viver pode ser difícil e solitário.

Por isso, perguntei para Cup o que gostaria de ter ouvido durante o seu processo de identificação e que gostaria de dizer a todas as pessoas estão se entendendo como agênero.

“Mesmo quando descobrimos que é ok não se identificar com todas essas imposições, acabamos por inconscientemente achar que temos que performar algo específico, mas não. Não há um jeito de ser trans. Não há um jeito de ser agênero. Mas há um jeito de ser você e esse jeito é sendo sincere consigue mesme”.

Eu sempre acho que o melhor jeito de aprender mais sobre algo é seguir pessoas que tem domínio sobre o tema ou o vivenciam no dia a dia.

Por isso, aqui embaixo uma (pequena) lista de pessoas agênero para seguir e acompanhar para ampliar ainda mais a discussão e a visibilidade!

Cup (@apenasCup)

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Érin Elliot (@ErinElliotC)

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Nick Nagari (@ttitanick)

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Para saber mais

Ageneridade

Hell Yeah Agender (em inglês)

Orientando: Agênero

Gender Wikia: Agender (em inglês)

Non-binary Wikia: Agender (em inglês)

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Camila Nishimoto
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sinto grande e escrevo poesia | assexual e sapatão, voluntária na @TODXSBrasil // ela/ella/she