TODXS
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4 min readAug 20, 2019

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Eu sempre soube que era gay, desde muito novo. Não sei se foi o fato de ter um irmão gêmeo hétero que deixava minhas diferenças muito mais aparentes, mas a verdade é que eu sempre soube.

E, dentro das possibilidades, fui experimentando o que isso significava, aos poucos, no meu tempo. Com medos e anseios de adolescente, sim, mas consigo enxergar que minha experiência familiar não retrata a triste estatística das pessoas LGBT’s, em geral. Mas não é sobre isso que se trata a minha primeira vez nesse texto. Quero contar a vocês como foi a minha primeira vez que subi em um palco sendo assumidamente gay.

Em 2007, vivendo uma vida bastante livre, fora de qualquer armário, eu era um ator de teatro buscando uma oportunidade na televisão. Com muita sorte e persistência, consegui minha primeira oportunidade: trabalhar no Disney Channel.

Foi durante o primeiro ano trabalhando no canal que me vi tendo que me preocupar com questões que, desde a pré adolescência, quando entendi que era diferente, não ocupavam a minha mente. Claro, uma cláusula contratual me comprometendo a não fazer nada que fosse “contra a moral e os bons costumes” não ajudava muito.

Eu queria dar certo no mercado televisivo, estava disposto a jogar o jogo. Negociei comigo mesmo que meu nome artístico seria Bernardo, meu verdadeiro nome, e não Beni, o meu apelido dado nos primeiros anos de vida que sempre me identifiquei, mas que naquele momento soava “gay demais”. Vesti o personagem. Dali pra frente eu seria “Bernardo Falcone”, ator e cantor.

Pintas eram permitidas somente nos bastidores, assuntos de cunho sexual apenas entre os mais amigos. “Qual é o seu tipo de garota ideal”, perguntavam as entrevistas para revistas teens. Eu me sentia mal em mentir, gastava muita energia dando volta em perguntas como essas.

Do Disney Channel fui fazer a novela Rebelde, na televisão aberta. Tudo aquilo que vivi no canal do Mickey estava elevado à décima potência agora. Muitos mais fãs, muito mais assédios e muitas outras mentiras. Eu sentia que o “Bernardo Falcone” havia sido aceito. O plano estava dando certo e eu estava sendo assimilado pelo mercado televisivo. Eu só precisava ficar atento e esquivar de questões relacionadas à minha orientação sexual.

Rebelde acabou dois anos depois. Resolvi que era o momento de investir na música, afinal de contas, era o que sempre fui. Tentei negociar meu primeiro lançamento como Beni Falcone, separando do ator. “Ninguém nunca vai levar ‘Beni’ a sério”, ouvi e concordei. Eu ainda queria dar certo e fazer sucesso. Continuei topando a brincadeira.

O primeiro single teve relativo sucesso digital, mas pouco ou quase nenhum pedido de show. Os convites para voltar a TV foram ficando cada vez mais escassos. Protagonizei uma série sucesso de crítica, mas que não teve uma segunda temporada.

Eis que, depois de alguns anos sem nenhum convite para projetos na TV, nem mesmo testes, sem dinheiro, resolvi trabalhar com o qualquer coisa. Consegui um trabalho em evento, que se resumia basicamente a fechar festas infantis em uma casa e organizar mesas de parabéns. Nada de errado com o trabalho, aliás, muito digno. Conheci pessoas maravilhosas. “O que você está fazendo aqui?”, me perguntavam enquanto eu mesmo me perguntava a mesma coisa. Não era pra mim.

Foi então que me peguei pensando “Taí, ‘Bernardo Falcone, ator, cantor e arrumador de brigadeiro de mesa de parabéns, olha onde você chegou’”. Me dei conta de quantas vezes durante os anos na TV, com um público que somava mais de 1 milhão de pessoas me seguindo, podendo fazer a diferença no mundo, iniciar conversas, quebrar tabus, desfazer preconceitos, eu tinha preferido me calar em troca de possíveis oportunidades de trabalho.

Eu entendi tudo. Havia me abandonado. Tinha vergonha de ser quem eu era: o Beni. Tinha vergonha de que minha orientação sexual fechasse portas que talvez nunca tivessem sido abertas verdadeiramente. Eu não estava vivendo verdadeiramente.

Fiz um acordo comigo: na próxima vez que tivesse a oportunidade, se tivesse, de trabalhar com aquilo que eu nasci pra fazer, seria eu na minha totalidade. Usaria minha plataforma para impactar positivamente a vida das pessoas. Sendo gay, sendo eu, sendo o Beni.

Foi aí que me surgiu a ideia de criar um projeto que unisse entretenimento, celebrasse a cultura LGBTQI+ e que tivesse consciência política. Nasceu o Candybloco. Eu era um o artista que saberia o que dizer com o microfone na mão.

O Candybloco celebra a cultura LGBTQI+ e a diversidade através de versões carnavalescas de hits das maiores divas pop do Brasil e do mundo. O processo de criação me lembrou quem eu era e o qual era o meu propósito enquanto artista.

Foi a minha primeira vez subindo no palco sendo o Beni. Ao me (re)conectar comigo pude me conectar com os outros e movimentar encontros de mais de 100.000 LGBTQI’s somados nos meus shows. Fazer política de inclusão, celebrar quem sou e quem somos e divertir uma legião de pessoas.

O Beni é a minha alma artística, minha criança que precisei perder pra encontrar junto ao meu Propósito, feliz, vibrante e gay.

Não me perco nunca mais de mim.

Todo amor do mundo,
Beni Falcone

Bernardo “Beni” Falcone é um ator e cantor brasileiro, nascido no Rio de Janeiro.

Como ator passou pelo Disney Channel, fez parte do elenco de High School Musical Brasil e protagonizou as duas temporadas da série Quando Toca o Sino, onde lançou 3 albums e dezenas de clipes. Anos depois, participou do sucesso teen Rebelde, na televisão aberta.

Em 2017 lançou seu projeto de verão chamado Candybloco, um bloco de carnaval que celebra a cultura LGBTQ e a diversidade através de versões dos hits das maiores divas pop e do mundo.

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