Foto: Felipe Balduino

Há 7 anos LGBTI+ podem casar no Brasil: mas precisamos?

Você já pensou que esse modelo não funciona para todas as pessoas? Vem conhecer algumas histórias!

Vitor Garcia de Oliveira
Published in
7 min readMay 14, 2020

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Quando eu e meu companheiro decidimos morar juntos, nem sequer passou pela nossa cabeça a ideia de nos casarmos. Simplesmente, juntamos nossas coisinhas e fomos dividir o mesmo teto pela primeira vez. Isso foi em 2016. E, caso quiséssemos, isso já era um direito nosso.

Resultado de longa luta do movimento, a instituição legal do casamento nos trouxe e nos traz uma série de direitos. Mas talvez o ponto mais central seja o de nos equiparar às relações heteroafetivas, como deveria ser desde sempre.

Ter o direito, porém, não nos impede de constatar que esse modelo não funciona para todas as pessoas. Afinal, você já parou para pensar que a possibilidade de arranjos familiares LGBTI+ é vastíssima e que nos limitarmos para a um modelo pode ser sufocante e triste para algumas pessoas? É óbvio que todes ficamos felizes em ver uma família formada por duas pessoas do mesmo gênero com filhinhos e filhinhas. Algo, por sinal, quase muito difícil até alguns anos atrás.

Mas, que tal dar uma olhadinha para além disso?

Algumas histórias em um mar de possibilidades

Uma união a três

Wallace e Eduardo, do Rio de Janeiro, se conheceram quando ainda eram adolescentes, há 11 anos. Após três anos de relacionamento, passaram a viver juntos. Com o tempo, o Wallace passou a se entender como poliamorista.

Com isso, o casal passou a ter uma relação aberta, mas somente para sexo — em especial, a 3. E é aí que o Wesley entra na história.

Após os três ficarem numa festa, o Wesley passou a ser figura frequente na casa do casal e, aos poucos, a amizade foi virando… amor. Eles contam que já não conseguiam ficar longes um do outro e por isso veio o pedido de namoro. Aí pra ir morar juntos foi um pulo.

Os três nunca se casaram por não ser fácil oficializar uma união a três. Mas afirmam que fariam, se pudessem, pois isso validaria o que já vivem. Porém, eles deixam claro: “não vai ser um pedaço de papel que vai mudar o que sentimos. Seria importante, sim, para garantir direitos legais.”

O trisal mantem um perfil no Instagram para mostrar um pouco de suas vidas e que o poliamor é mais simples do que se imagina. “Ainda existe muito tabu em relações não monogâmicas e queremos mudar um pouco isso”, contam eles.

Dois relacionamento abertos que geraram uma família

Bia, Emanuela e Maria Eugênia

A Maria Eugênia, de São Paulo, já havia passado por relacionamentos abertos e fechados, quando conheceu a Beatriz, que nunca havia se relacionado abertamente e tinha passado por umas situações chatas de ciúmes, posse e controle em namoros anteriores.

A Bia conta que mesmo tendo topado entrar nesse relacionamento com a Maria, que já namorava com duas outras meninas na época, sentia um pouquinho de medo. “O começo foi difícil porque eu ainda carregava padrões dos meus outros relacionamentos monogâmicos. Lembro que a primeira vez que ela ficou com outra pessoa, estando comigo, foi bem difícil. Eu tive muito ciúmes. Mas aí tivemos uma conversa sincera e honesta que acho que é a base de um relacionamento aberto.”

Depois desses momentos de adaptação, elas começaram a morar juntas. A Maria também acabou terminando os relacionamentos com as outras meninas. Ficaram então só as duas morando juntas como namoradas, mas ainda em um relacionamento aberto.

Durante esse período, elas nunca quiseram se casar no civil. “Nunca quis porque considero o casamento uma instituição problemática em vários aspectos, mesmo com a flexibilização de uma série de questões”, explica a Maria. Ela conta que só se casaria pelos direitos legais envolvidos e, ainda assim, diz ter suas dúvidas.

A Bia tem uma opinião bem parecida. “Eu acho isso incrível e muito importante. Mas a maioria das pessoas LGBT do meu círculo social ficam numa ânsia louca de querer reproduzir um tipo de casamento heteronormativo: duas pessoas, filhos e é isso” Para ela, no fundo, isso acaba sendo uma vontade, inconsciente, de querer ser aceito. “De querer estar o mais próximo possível do que a sociedade aceita. Porque quanto mais você se afasta desse padrão, mais a margem você fica.

Após dois anos de relacionamento, elas decidiram terminar. Mas a amizade e o amor prevaleceu: “a gente seguiu morando juntas, só não vimos necessidade de se relacionar mais”.

Foi aí que a Bia começou a se relacionar de novo e namorar com a Emanuela, também abertamente. E, hoje, estão as três morando juntas. A Bia te explica melhor a situação: “Eu moro com a minha ex, que é minha melhor amiga. E eu moro com a minha atual. Moramos nós três e quatro gatos, na perfeita harmonia. É uma família. A gente se trata como família. A gente se ama como família.

Segundo ela, isso é a prova viva de que um relacionamento aberto pode dar certo. “O amor não é limitador: não é essa coisa de terminou, nunca mais vai se falar. E é engraçado porque elas duas se amam muito também e se tratam como família. Tem pessoas que acham que a gente se pega, as três, mas isso não acontece. ”

Um casamento sem papel no cartório

A Taísa e o Lucas tiveram um amor acadêmico: se conheceram em um mestrado na área de antropologia, lá em Salvador. Ele, hétero, ela, bissexual. Chegaram já aos sete anos de relacionamento e contam que não têm planos de se casar. “Não existe essa vontade no sentido romantizado de ‘ah, vamos casar!’. Se a gente casar no civil, vai ser uma coisa muito mais do âmbito prático, pensando no que isso nos garante enquanto lei.”

A Taí conta que, para ela, o casamento já é o dia a dia. “Tudo o que o casamento proporciona no sentido de dividir conta, de morar junto, de ficar junto no perrengue e nas conquistas, a gente tem há 7 anos.”

Os dois conversam muito sobre ter filhes também, já que o Lucas gosta muito de criança. Mas, é como muitas pessoas dizem: primeiro, vai ter que vir uma maior estabilidade financeira. A Taí também quer estar um pouco mais preparada emocionalmente. “A gente pretende ter um filho gerado na minha barriga e adotar. Então, eu acredito que se a gente for ter filho, vamos ter três.” Fofos, né?

Um casamento aberto em que as pessoas moram separadas

O Eros conheceu o Fernando no bar “Fora do Meio”, em São Paulo, e mantém um relacionamento aberto, que já dura quatro anos.

Embora muitos casais em relações abertas tenham regras, os dois preferem pensar muito mais do ponto de vista de princípios. “Isso significa que o mais importante não é dizer o que o outro pode ou não fazer, é enfrentar o problema concreto, com base nos princípios que nos guiam: responsabilidade, cuidado, fidelidade (que não é igual a exclusivismo).”

Com isso, eles acabaram desenvolvendo um relacionamento que se abre para muitas possibilidades. “A gente pega pessoas sozinhos. Tem sexo casual com outras pessoas separados. Tem affairs separados. Tem sexo casual com pessoas juntos. Tem affairs com pessoas juntos. Tem pessoas que a gente pega que acabam virando amigos. E isso é muito precioso porque olha só quantas formas possíveis de afetos, relações e cuidados que existem e tão sufocadas por conta da força das convenções sociais”.

Os dois decidiram se casar na iminência da eleição do atual presidente. “Não vou dizer que foi o motivo principal ou o único, mas realmente havia o objetivo de engrossar uma atitude militante: de afirmar jurídica e politicamente os nosso direitos e a nossa dignidade como casal gay”. Segundo o Eros, o segundo principal motivo era que eles queriam “ter acesso à única coisa importante do casamento, que são os direitos. Ou seja, de você poder cuidar juridicamente um do outro.”

Para ele, é importante que se faça uma reflexão no sentido de desvincular o que é a convenção social do casamento e tudo o que ela traz, de positivo e negativo, da figura jurídica da união estável e do casamento.“Basicamente, foi uma escolha bastante racional. Não é que a gente achou que havíamos atingido mais um patamar no relacionamento. A gente não acredita muito no relacionamento como uma coisa linear. A relação entre as pessoas são muito mais porosas do que isso e muito mais complexas que as categorias.”

As relações são tão mais complexas que os dois ainda adotaram um estilo de vivência que outras pessoas estranhariam: ainda que casados, eles optaram por não morar juntos. “A gente se gosta tanto que prefere não estar coabitando no mesmo espaço, porque a gente sabe o quão danoso isso seria. Mas a gente não abre mão daquilo que é nosso direito: de cuidar um do outro. Por isso, o casamento.”

Justamente por isso, Eros explica que não acha que casamento é algo heteronormativo. “Eu acho que heteronormatividade é um processo social que tem uma influência muito grande pelo casamento. Mas o casamento pode ser desconstruído como um instrumento jurídico. Então, eu posso ser contra o casamento e casar, já que o que eu sou contra é a instituição social do casamento, com tudo que ela carrega: a monogamia e o exclusivismo compulsórios, além das relações de posse. E o Fernando também é assim.”

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