Diêgo Lôbo
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9 min readNov 30, 2019

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Há 31 anos, em 1988, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o 1° de dezembro como o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, uma data para dar visibilidade aos esforços de combate à doença, estimular avanços em políticas públicas e informar às pessoas sobre prevenção e tratamento.

O primeiro passo é entender o que é. O vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), mais comumente transmitido durante a relação sexual sem uso de preservativo e por compartilhamento de agulhas contaminadas, ataca o sistema imunológico, principalmente as células T CD4+, fazendo ele trabalhar duplicando o vírus e impedido que ele cumpra sua função de proteger o organismo. A aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) acontece quando a contagem das células T CD4+ está abaixo de 200, o normal é entre 800 e 1200. Mas a notícia boa é que os medicamentos usados no tratamento hoje em dia bloqueiam o HIV nas diferentes fases do seu ciclo, reduzindo a quantidade do vírus no corpo. Então sim, é possível ter levar uma vida longa e normal com o HIV.

Hoje, quase 38 milhões de pessoas vivem com HIV no mundo, o número mais alto da história, e 770 mil morreram de doenças relacionadas ao vírus em 2018, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, considerado referência mundial no tratamento ao HIV/Aids, estimava-se que havia 866 mil pessoas vivendo com o vírus e o número de óbitos, em 2017, atingiu o menor número desde 2008, com cerca de 11.500 mortes, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

Senta que lá vem história

O primeiro caso de infecção pelo vírus HIV no Brasil aconteceu em 1980, em São Paulo, embora só tenha sido classificado como tal dois anos depois. Na época, pouco se sabia sobre como a doença era transmitida, o que rapidamente contribuiu para o estigma e preconceito, inclusive entre muitos profissionais de saúde que se recusavam a atender os casos que chegavam aos hospitais.

A mídia teve papel central em criar esta fobia social e estigmatizar as pessoas que tinham o vírus, principalmente os homossexuais. Esta imagem altamente negativa em relação ao vírus persiste até hoje. Daniel Lima (30), de São Paulo, lembra como se sentiu ao receber o diagnóstico, dois dias após seu namorado:

Daniel mantém um perfil no Medium em que publica textos sobre reflexão, amor e HIV. Clique aqui para acessar.

“O ano de 2016 e aquele 18 de novembro foram os piores da minha vida, fiquei absolutamente desesperado, me sentindo impotente, pois acreditei que a minha sentença seria a rejeição, alguma doença oportunista, ou definhar como o Cazuza. No dia seguinte, reuni minha família toda e apontei o canhão pra eles. Ficaram todos aterrorizados.”

A doença, inclusive, chegou a ser conhecida como “peste gay”, “praga gay” e “câncer gay”, já que homossexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) eram as principais vítimas. Homossexuais faziam parte dos, então chamados, grupos de risco conhecidos como “5H”: homossexuais, haitianos, hemofílicos (pessoas que precisam de transfusão de sangue), heroinômanos (usuários de heroína injetável) e hookers (profissionais do sexo, em inglês).

Por essa razão, ativistas e grupos que defendiam direitos da população homossexual — muito antes de termos uma comunidade LGBTI+ como conhecemos hoje — tiveram papel fundamental nos primeiros anos da epidemia.

Harley Henriques, fundador do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (GAPA-BA) e atualmente coordenador Geral do Fundo Positivo, nos contou um pouco dessa história.

“Na época, o movimento era chamado de movimento gay. Eram grupos majoritariamente formados por homens gays, algumas mulheres trans e travestis, que foram quem primeiro se envolveu na resposta à epidemia, especialmente o Grupo Gay da Bahia, que desenvolveu ações no campo de prevenção. A partir de 1985, é constituída a primeira ONG no campo de HIV/Aids da América Latina, o GAPA-SP, e em 1988 surge o GAPA-BA. Este movimento teve uma contribuição enorme enquanto a partir da reação dessa população que se via perdendo membros de sua comunidade em decorrência de uma epidemia nova e desconhecida, e a partir desse trabalho começa a trazer outros segmentos populacionais e movimentos para também assumir a bandeira”.

Como estão as coisas hoje em dia no Brasil ?

O último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde sobre HIV/Aids mostra que o número de infecções aumentou em 581% entre 2007 e 2017, saindo de cerca de 7.300 para mais de 42 mil casos notificados.

Os dados apontam ainda uma tendência preocupante: a faixa etária de 20 a 24 anos foi a que mais apresentou aumento, de 13,6% para 19,2% de todos os casos de HIV entre homens e mulheres. Especialistas apontam a ausência de políticas públicas específicas para jovens, falta de debate nas escolas sobre gênero e saúde e campanhas centradas apenas na camisinha como algumas das causas deste aumento. “Não se vê campanhas de prevenção ao HIV e outras ISTs que atinjam menores de 18 anos de idade. E, mesmo na população adulta, essas campanhas majoritárias priorizam apenas o uso do preservativo, com pouco foco no conceito de prevenção combinada”, afirma o infectologista Pedro Campana, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Entre os homens o aumento foi ainda maior: 853%, de cerca de 4.300 para mais de 30 mil casos. Ao mesmo tempo em que se observou uma diminuição nos casos de HIV em mulheres, cresceu o número de infecções por homens, que representaram cerca de 73% dos novos casos. Entre estes, 63% foram de homens que fazem sexo com homens (HSH). Ou seja, dos 42.420 novos casos de HIV em 2017, 16.633 ou 39%, foram de homens gays ou bi.

A aids também apresentou um aumento entre homens homossexuais e bissexuais, que representaram 48,7% de todos os casos da doença, superando pela primeira vez em uma década a porcentagem de homens héteros, que foi de 47,8%. O Ministério não disponibiliza dados específicos para mulheres lésbicas ou bissexuais ou outros LGBTIs, mas indica que 96,8% das exposições de mulheres foram em relações sexuais heterossexuais.

Para Pedro, a falta de dados específicos contribui para invisibilidade de populações já vulneráveis. “A população trans não está nos censos do Ministério da Saúde. Quando a gente preenche uma ficha de notificação de HIV/Aids, precisamos colocar o sexo masculino ou feminino. Essa classificação binária exclui uma população que outros estudos mostram uma prevalência de 30% de HIV/Aids. As mulheres trans são extremamente negligenciadas neste aspecto e o motivo é a invisibilidade social histórica que enfrentam”, afirma.

O Ministério da Saúde estima que 135 mil pessoas vivem com HIV e não sabem. Por isso, iniciou, nesta semana, uma nova campanha, incentivando a testagem e, consequentemente, o diagnóstico precoce dos casos de HIV.

Tive uma situação de risco, e agora?

Acidentes acontecem, mas, felizmente, existem diversas maneiras para prevenirmos a infecção pelo HIV.

Alternativas para a prevenção não faltam, mas vale lembrar que não é para você escolher sua preferida, e sim fazer uma prevenção combinada. Da mesma forma que acontece com a anticoncepção, que inclui camisinha, anticoncepcional, DIU, e outras opções, também precisamos usar diferentes métodos para evitar a contaminação pelo HIV e outras ISTs. O ministério da saúde criou a seguinte mandala de prevenção:

Clique aqui e conheça as formas de prevenção ao HIV, às IST e às hepatites virais.
Os testes rápidos do SUS são gratuitos para todo mundo e pode identificar o diagnóstico do HIV, sífilis e hepatites B e C.

Testagem

O SUS oferece gratuitamente testes para diagnóstico do HIV (o vírus causador da aids), e também para diagnostico da sífilis e das hepatites B e C. Os testes são rápidos e simples, podem ser realizados com a coleta de uma gota de sangue ou com fluido oral, e fornecem o resultado em, no máximo, 30 minutos.

Mas atenção para a janela imunológica, o tempo entre o contato com o vírus e a detecção do marcador da infecção . Isso quer dizer que, mesmo se a pessoa estiver infectada, o resultado do teste pode dar negativo se ela estiver no período de janela. Dessa forma, nos casos de resultados negativos, e sempre que persistir a suspeita de infecção, o teste deve ser repetido após, pelo menos, 30 dias. De qualquer forma, mesmo sem a dúvida de uma possível infeção, é indicado realizar o teste a cada seis meses.

Caso você não queria fazer o teste em uma unidade de saúde, em janeiro de 2019, O Ministério da Saúde passou a distribuir autotestes de HIV gratuitamente pelo SUS em algumas cidades. Você pode saber mais sobre isso aqui.

Os testes rápidos podem ser feitos gratuitamente e de forma rápida em diversas unidades básica de saúde da rede pública ou os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). Descubra o local mais perto de você nesse link.

PEP

Mesmo tomando todos os cuidados, qualquer um de nós pode encontrar-se em uma situação em que a camisinha estourou durante a relação sexual, por exemplo. Nesses casos, em que existe risco de infecção pelo vírus, é indicado o uso da Profilaxia Pós-Exposição de Risco, PEP, que age impedindo que o vírus HIV se estabeleça no corpo.

Da mesma forma que o tratamento para o HIV, a PEP é feita com medicamento antirretrovirais. É preciso agir rápido, preferencialmente nas primeiras duas horas após a exposição e no máximo em até 72 horas. A medicação dura 28 dias e precisa ser acompanhada pela equipe de saúde

Caso você tenha alguma situação de risco, é só procurar aqui as unidades de saúde que oferecem a PEP.

PrEP

Agora, caso você faça parte de um grupo de tem constante possibilidade de contrair o vírus, o indicado é o uso da PrEP, Profilaxia Pré-Exposição. Ela consiste na tomada diária de um comprimido que impede que o vírus causador da aids infecte o organismo, antes mesmo de a pessoa ter contato com o vírus, mas não protege contra outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (tais como sífilis, clamídia e gonorreia).

É MUITO importante lembrar que essa é uma forma de prevenção que precisa de disciplina. O usuário tomar os comprimidos TODOS OS DIAS, caso contrário, pode não haver concentração suficiente do medicamento em sua corrente sanguínea para bloquear o vírus.

Para começar o uso da PrEP você precisa procurar um profissional de saúde para saber se você faz parte das populações-chave, segmentos populacionais mais vulneráveis ao HIV/aids e que apresentam prevalência superior à média nacional, que é de 0,4%. São eles, nas palavras do Ministério da Saúde:

  • gays e outros hsh;
  • pessoas trans;
  • pessoas que usam álcool e outras drogas;
  • pessoas privadas de liberdade e
  • trabalhadoras(es) sexuais.

Aqui estão cadastrados os serviços de saúde do SUS que oferecem a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Se liberado o uso, você deve tomar o medicamento todos os dias, fazer exames regulares e buscar sua medicação gratuitamente a cada três meses.

Vale lembrar que todas as pessoas com vida sexual ativa devem realizar exames periódicos de HIV e outras ISTs. Conhecer o status é o primeiro passo não só para o tratamento e desenvolvimento de uma vida saudável, mas também para evitar transmissão.

“Quanto mais cedo a gente sabe, mais fácil a aderência ao tratamento. Os medicamentos atuais não tem mais efeitos colaterais, em pouco tempo o vírus deixa de circular no sangue e você nem é capaz de retransmitir pra ninguém e a única hora que você vai se lembrar que é HIV+ é na hora de tomar o medicamento. Eu vivo bem, faço exercícios físicos e tô muito bem, obrigado!”, afirma Daniel.

Estima-se que de todas as pessoas vivendo com HIV no país, 866 mil, 84% já fizeram o teste de HIV; destas, 75% ou 731 mil estão em tratamento; e, dentro deste grupo, cerca de 92% ou 503 mil apresentam carga viral indetectável. A meta é atingir 90% nos três grupos até o ano que vem, 2020. Estabelecida pela UNAIDS, a chamada meta 90–90–90 é um esforço global para conter a Aids.

Ainda não existe cura para o HIV, mas temos as ferramentas para conter a epidemia e garantir que todas as pessoas possam viver longas e saudáveis vidas. Como disse Pedro, “existe vida, sim, após o diagnóstico de HIV” — e quanta vida!

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Diêgo Lôbo
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Writer for

Ativista de direitos humanos, saúde e meio ambiente.