Homofobia no futebol é tema do novo documentário da VICE Brasil

TODXS
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6 min readJun 21, 2018

Usar as palavras “bicha” ou “viado” como xingamentos é muito comum em partidas de futebol dentro e fora do país, mesmo com o avanço das discussões sobre direitos LGBTI+. Falar sobre essas manifestações de ódio é o que Murilo Megale, host e criativo da VICE, buscou em seu documentário Bicha!, prestes a ser lançado pelo veículo em seu canal no Youtube.

Vou desde pequeno [aos estádios] e amo futebol, apesar das coisas erradas que o cercam. A homofobia é uma delas. Percebi que no futebol há bastante campanha sobre pautas sociais, mas a homofobia parece ser um tabu absurdo ainda e, por mais que a sociedade já esteja caminhando com o debate, o futebol parece querer se isolar dessa evolução que é inevitável. É hora de falar sobre isso e chamar personagens do primeiro escalão do futebol para opinarem”, relatou, em entrevista à TODXS.

TODXS: Durante a produção do filme, o que mais surpreendeu dentro dessa temática?

Murilo Megale: Com certeza, o que mais me surpreendeu foi o medo das pessoas de simplesmente falarem sobre o assunto. De jogadores a dirigentes, o distanciamento para o tema é enorme e há um cuidado excessivo nas palavras. Os que topam falar sobre isso acabam ficando sem ter o que dizer e sai um discurso óbvio ou genérico.

Outra coisa que achei curioso é que cada “setor” do nosso futebol joga a culpa para outro: jogadores culpam parte da torcida, que culpa dirigentes, que culpam CBF e imprensa, que culpam jogadores e torcida…E acaba que ninguém naturalmente assume a bronca.

É importante dizer, porém, que já há iniciativas positivas por parte de torcedores, e isso é bem abordado no documentário.

T: Como enxerga a Copa do Mundo sendo sediada na Rússia, um país LGBTIfóbico?

MM: A Copa do Mundo é o ápice do futebol. O lado bom de ser na Rússia na minha visão é o debate que gera em torno de algumas pautas, como a própria homofobia. A cartilha que o Governo Federal do Brasil lançou para brasileiros que iriam ao mundial deu uma repercussão por conta da parte que alertava a comunidade LGBTI quanto ao perigo de se “manifestar publicamente”. A Fernanda Gentil, da Rede Globo, falou disso ao vivo. Foi legal também o posicionamento de alguns jornalistas durante o torneio, como o Casagrande, que repudiou os gritos homofóbicos partindo da torcida mexicana. O André Rizek, do SporTV, também sempre se posiciona contra esse preconceito. Os dois estão no documentário e falaram muito bem sobre o tema. Então, os holofotes para o maior torneio de futebol num país LGBTIfóbico faz o assunto chegar à casa das pessoas aqui no Brasil, e esse é o lado ótimo.

T: Acredita que a Fifa ou a CBF ou outras instituições do futebol abordam essa pauta?

MM: Ainda acho que falta uma maior atenção por parte dessas entidades. A FIFA até costuma punir, mas não vejo um debate maior em torno do assunto e também o empenho para educar/orientar os torcedores do porquê isso pega muito mal no estádio e fora dele. Um exemplo: a Federação Mexicana, depois de levar uma bela bronca da FIFA, postou no twitter uma nota pedindo aos torcedores mexicanos que estão na Rússia que não gritassem o “Puto!” no tiro de meta do adversário. Porém, em nenhum trecho da nota há a palavra “homofobia”. Eles justificam dizendo que esse grito não é uma forma de apoio a ninguém, quando na verdade deveriam dizer que é um grito homofóbico. Fica parecendo que esse posicionamento foi feito apenas para evitar maiores multas da FIFA, e que não há uma preocupação com a cultura do futebol em si. Esses caras podem até parar de gritar “PUTO” na Rússia, mas vão voltar pro México e continuar com esse costume.

No caso do Brasil, a CBF foi punida seis vezes por conta dos gritos homofóbicos da torcida brasileira em jogos da Seleção nas eliminatórias. Qual a repercussão disso aqui no país? O que foi feito para explicar ao torcedor a gravidade disso? Praticamente nada. Fica a impressão que eles preferem pagar a multa quietinhos do que expor o problema, evitar novas punições e abordar o tema de maneira próxima ao torcedor.

T: Quem atualmente é referência (como pessoa ou instituição) que milita pelo fim da homofobia nos estádios?

MM: Uma das coisas mais interessantes que ouvi nas entrevistas de torcedores foi que a mudança nunca vem da institucionalidade. São os movimentos sociais que vão às ruas historicamente e lutam por espaços na sociedade para, aí sim, as instituições prestarem atenção e mudarem algo. E com o futebol é mais ou menos igual. As torcidas são os movimentos sociais, e quanto mais iniciativas surgirem de torcedores, mais os clubes e Federações irão se sentir obrigados a agir para evoluir. Pensando nesse movimentos sociais, temos alguns coletivos de torcedores (como a Palmeiras Livre) e torcidas organizadas (Nação 12, do Flamengo) que há alguns anos vem lutando por essas mudanças, seja na mudança de letras de músicas, seja nas postagens em redes sociais juntando cada vez mais gente. Cada grande clube já tem umas três ou quatro torcidas que pensam a favor disso. É importante também termos um olhar para as torcidas anti-fascistas, que caminham contra a corrente preconceituosa do futebol.

T: Quem você diria que são os principais responsáveis por propagar a homofobia no futebol?

MM: A homofobia é uma questão da sociedade, não apenas do futebol. No futebol, porém, as manifestações de ódio tendem a ganhar mais força, porque muitos torcedores acham que no ambiente do estádio tudo pode, que é momento de extravasar. Sim, podemos extravasar e xingar, mas a homofobia e alguns preconceitos devem ser entendidos com a seriedade de um crime, seja onde for.

É claro que fica mais evidente quando vem do torcedor, ou melhor, de parte da torcida. Mas internamente nos clubes também há muito preconceito, assim como em parte da imprensa, que faz piada homofóbica sobre torcidas e determinados jogadores. E acaba que um influencia e encoraja o outro a fazer.

T: Como esse tipo de preconceito prejudica torcedores e jogadores?

MM: O documentário conclui algo triste, mas óbvio: o torcedor gay não se sente bem-vindo no estádio, nem em qualquer ambiente do futebol. Ele não se sente bem-vindo nem em alguns portais de notícias esportivas, que inflamam a piada homofóbica. Essa barreira pro cara colar no campo é talvez o maior mal disso tudo. No caso dos jogadores, não há o espaço para se assumirem ou serem quem eles realmente querem ser. Muitos são casados com mulheres e têm de viver uma vida secreta por conta da exposição na mídia, com medo do que o público irá pensar. Na série A do Campeonato Brasileiro, não há um jogador gay assumido, e o cenário não é favorável para que isso mude tão rápido.

T: Como acredita que seria uma boa forma de combater a homofobia nos estádios e no esporte, com base em todas as entrevistas que fez?

MM: As punições são uma maneira de se combater. Mas não pode ser generalizada. Aqui no Brasil há o costume errado de autoridades tratarem todo torcedor organizado como bandido, proibirem instrumentos musicais e a festa nos estádios, estabelecerem a torcida única nos estádios, sempre como forma de punição generalizada. Outras maneiras importantes de se combater: debates e discussões.

De alguma maneira, precisamos trazer o torcedor homofóbico para a conversa, pois muitos (por mais incrível e bizarro que possa parecer) não tem a noção que a brincadeira/zoeira do futebol pode sim causar um impacto maior na sociedade e na vida das pessoas que sofrem as piadas preconceituosas. O documentário não foi criado para apontar o dedo, mas sim colocá-lo na ferida.

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