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6 min readSep 30, 2020

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Por Carla Luã Eloi

Você já deve ter ouvido falar que a melhor publicidade é o boca a boca. E isso é verdade, especialmente na Era da Internet, em que um conteúdo da noite pro dia pode se tornar viral. Você também já ouviu falar que não existe propaganda ruim. O pior que pode acontecer com um comercial mal recebido pelo público, em alguns casos, é ele virar meme ou a marca sofrer boicote.

Enquanto o meme pode visar apenas a piada, o boicote tem um cunho ideológico ou moral. Os casos mais famosos são propostos por conservadores contra a inclusão de pessoas LGBTI+ em propagandas.

O boicote também gera engajamento nas redes sociais e viraliza um conteúdo, podendo trazer ótimos resultados para as empresas. Para pensar numa estratégia que traga resultados mais duradouros do que o período de um conteúdo viral na internet, prevendo um ou após um boicote, as marcas devem focar em três pontos: os impactos econômicos do boicote à propaganda, a força do consumo ideológico para a gestão da marca, o quão sólida é sua política de diversidade e inclusão.

O lucro da polêmica

O caso mais recente foi no Dia dos Pais em 2020, marcado por polêmicas nas redes sociais. Grupos conservadores iniciaram um movimento de boicote a uma empresa de cosméticos, que em sua estratégia de marketing convidou um homem trans para estrelar sua campanha do dia dos pais.

Se pensarmos nos impactos econômicos e de branding que a escolha pela inclusão de grupos que, na história da publicidade e propaganda, foram invisibilizados, em campanhas de marketing de produtos e/ou serviços variados, vamos ver que os resultados são surpreendentemente positivos para as empresas.

Apesar do boicote, o resultado da campanha do dia dos pais da marca em questão registrou alta, não apenas no número de vendas, mas também nas ações da empresa na bolsa de valores, que subiram mais de 10% após toda a polêmica.

Outro caso similar, ainda no ramo de cosméticos, ocorreu em 2015, quando outra empresa colocou um casal homoafetivo na propaganda do dia dos namorados. A polêmica gerada em torno da campanha também foi seguida de boicote de públicos com orientação mais conservadora, porém, refletiu positivamente nos números de vendas, que, naquele período, fechou em alta.

A diversidade é a alma do negócio?

Se a propaganda é a alma do negócio, ela representa os valores e políticas da empresa. Por isso, outra questão que vem à tona diante de propagandas polêmicas sobre e/ou com pessoas LGBTI+, é o quão profunda é a preocupação das empresas com diversidade e inclusão?

Quando uma empresa lança uma edição de um produto com as bandeiras do arco-íris durante o mês da visibilidade LGBTI+ ou patrocina um evento como uma parada LGBTI+ de uma cidade, a publicidade em si traz enorme impacto social. E também a promoção de debate na sociedade sobre Diversidade e vieses inconscientes, que podem levar o público espectador, e potencial cliente, a “estranhar” a presença ude m casal homoafetivo numa propaganda na TV ou um homem trans falando sobre afeto e paternidade — não estranhar por ser algo negativo, mas por não estarem acostumadas a ver representatividade desses grupos na grande mídia hegemônica.

Apesar disso, a sensação quase imediata que o público LGBTI+ e pessoas apoiadoras têm é que aquela marca é disruptiva, que aquela marca representa a possibilidade real de transformação social, através da normalização da presença de pessoas LGBTI+ em seus comerciais e também em seu quadro de pessoas colaboradoras. É criada uma expectativa, que pode ou não ser ilusória, de que aquela empresa é inclusiva.

O consumo ideológico não navega pela superfície rasa. Os grupos que serão responsáveis por reverter o boicote proposto pelas pessoas conservadoras e convertê-lo em leads, dependendo da extensão da polêmica criada, vão buscar uma análise microscópica sobre a marca, no que diz respeito a responsabilidade social, para entender se, de fato, é uma empresa inclusiva para pessoas LGBTI+ na sua folha de pagamento, em seus cargos de liderança, ou se é mais uma empresa engajada em alcançar o Pink Money.

Não tem nada de errado com a produção e comercialização de produtos e serviços voltados para a população LGBTI+, entretanto, a sub-representação no mercado de trabalho e baixa empregabilidade dessa população vai fazer com que as pessoas queiram saber as verdadeiras intenções da marca, para um relacionamento duradouro. O intuito é confirmar se a empresa tem uma verdadeira política de inclusão à diversidade ou se não demonstra compromisso com a causa, usando a responsabilidade social apenas como pedestal para se projetar e alcançar um nicho de mercado consumidor pelo qual ela, de fato, não se preocupa.

Um exemplo é quando uma produção de um filme ou peça de teatro com a temática sobre vivência de pessoas trans não possui profissionais transgêneros na equipe técnica ou no elenco — o chamado transfake. Assim, usam a narrativa da transgeneridade, na qual abordam pautas como subemprego e informalidade da população trans, interpretadas por atores e atrizes cis. Com isso, demonstram que os dados das baixas taxas de pessoas trans no mercado de trabalho formal são conhecidos pelas pessoas idealizadoras e, mesmo assim, não contratam pessoas trans para a produção. Usam suas vivências para se promover, sem a preocupação mínima e verdadeira com a causa.

O impacto do consumo ideológico para as empresas

O impacto econômico imediato de propagandas que geram polêmicas e boicotes é mensurável. Nos casos apresentados, foi positivo, pois a resposta do público foi a ativação do consumo ideológico, a contrarreação prevista quando qualquer grupo conservador ameaça prejudicar uma empresa que está, por um motivo ou outro, dando visibilidade para pautas e existências LGBTI+.

No entanto, sendo extremamente sazonal, uma propaganda polêmica não tem potência para projetar uma marca ou alavancar uma empresa, sem de fato um trabalho na sua cultura organizacional e nas políticas da empresa.

Já o branding não é algo que dê para quantificar de imediato, em se tratando de Diversidade e Inclusão. Especialmente, porque ele não vai ser construído sobre o pilar de uma polêmica, mas sim de um verdadeiro senso de responsabilidade social, da construção dos valores de uma empresa que seja inclusiva para pessoas colaboradoras e pessoas consumidoras, que seja ativa em causas sociais de grupos sub-representados na mídia e no mercado de trabalho. Seja patrocinando eventos, promovendo ações socioeducativas em prol da diversidade entre suas pessoas colaboradoras e clientes, seja oferecendo soluções inovadoras para sociedade e pensando em como seu serviço ou produto pode trazer impactos sociais na vida das pessoas.

Um produto ou serviço de qualidade não é o suficiente para conquistar um público que prioriza um consumo mais ideológico. Faz parte de um planejamento estratégico de uma empresa, que deseja construir um branding atrativo, entender a diversidade e a inclusão como uma vantagem competitiva para seu negócio e que o tal do Pink Money é consequência natural para uma marca que agrega valor na vida das pessoas, que dialoga com suas ideologias, direta ou indiretamente e que promove a diversidade diariamente.

Glossário

Branding: termo no marketing que se refere a gestão da marca, através de uma série de ações estratégicas que alinham os valores da empresa aos seus produtos e serviços, permitindo a criação de conexões, que podem ou não ser conscientes, entre marca e cliente no momento de decisão de compra.

Disruptiva: inovação de tecnologias, produtos ou serviços que provocam uma ruptura dos padrões já estabelecidos no mercado.

Pink Money: termo que se refere ao potencial de consumo e poder de compra da comunidade LGBTI+.

Transfake: prática de atores e atrizes cisgêneros interpretarem personagens transgêneros em espetáculos cênicos e no audiovisual, prática similar ao blackface, na qual pessoas brancas interpretam pessoas negras.

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