LGBTI+ e Setembro Amarelo: uma conversa sobre nossa saúde mental

O debate sobre saúde mental e prevenção ao suicídio gera conhecimento e rede de apoio a quem precisa. Sabendo disso, que tal falarmos sobre os recortes LGBTI+ neste cenário?

TODXS
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5 min readSep 30, 2021

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No Brasil, desde 2015 dedicamos este mês para conscientizar as pessoas sobre as vulnerabilidades e necessidades que muites de nós passamos.

Falar sobre este tema é, antes de tudo, lembrar que todas as pessoas sentem os estímulos, internos e externos, de maneira diferente. O suicídio, por exemplo, pode ser um comportamento ocasionado por fatores psicológicos, biológicos, culturais, socioambientais, etc.

Sabendo disso, podemos afirmar que uma pessoa com pensamento suicida não necessariamente deseja acabar com sua vida. Para essa pessoa, há a necessidade de colocar um fim ao sofrimento, que em muitos casos parece ser insuperável.

Este é um dos motivos que nos confirmam a importância de prezar pela saúde mental de todes, e para pessoas LGBTI+ não é diferente. Sabemos que muitas pessoas da comunidade enfrentam dificuldades familiares e lhes faltam uma rede de apoio, onde possam se sentir acolhidas por inteiro.

Conversando sobre saúde mental LGBTI+

Convidamos Lohanna Pereira, psicóloga e voluntária da TODXS, para falar sobre as especificidades de uma pessoa LGBTI+ em relação à saúde mental, LGBTIfobia e acolhimento. Fizemos algumas perguntas sobre o tema, que você pode conferir na entrevista abaixo.

TODXS Brasil: Discutir sobre este assunto, é olhar para questões de saúde e políticas públicas. Trazendo esse contexto para o recorte da comunidade LGBTI+, pode-se dizer que a LGBTIfobia impacta nas chances de uma pessoa jovem da comunidade cometer suicídio?

Lohanna Pereira: A comunidade LGBTI+ passa por várias situações cotidianas de opressão que a torna mais propensa a cometer suicídio. Quando falamos de jovens, além da dificuldade de se entender e se aceitar como pertencentes à nossa comunidade, há a discriminação estrutural na sociedade que potencializa, como bullying, conflitos familiares, falta da rede de apoio, conservadorismo, questões religiosas e agressões físicas e psicológicas, por exemplo.

TB: Fazer parte da comunidade LGBTI+ é estar mais vulnerável a sofrer com ansiedade e depressão? Se sim, por quê?

P: Ser da comunidade LGBTI+ por si só já é motivo de sofrermos opressão, deve-se considerar as interseccionalidades que vivemos, por exemplo, ser LGBTI+, não branco, classe social baixa. Quanto mais grupos minoritários pertencemos, mais hostilidade vivemos.

TB: Fazer parte da comunidade LGBTI+ nos torna mais predispostes a sofrer discriminação, opressão e violência. A saúde mental deve ser cuidada para prevenir e minimizar alguns problemas como ansiedade e depressão, que são sinais de uma saúde mental prejudicada.

LP: A principal forma de prevenção é a rede de apoio. Saber que existem outras pessoas como você, e que não está só.

TB: Com o isolamento social, como as redes sociais podem ser um local de disseminação do discurso do ódio em relação à comunidade LGBTI+ e, consequentemente, impactar a saúde mental dessa população?

LP: Quando nos afastamos das nossas redes de apoio e ficamos em isolamento social, buscamos formas de manter o contato com o mundo externo da melhor forma possível, no caso as redes sociais.

Devemos considerar vários pontos positivos e negativos das redes sociais. Elas permitem que possamos manter o contato com nossa rede de apoio, conversar, divertir e distanciar do ambiente hostil que estamos presentes.

Por outro lado, vemos o que as pessoas querem nos mostrar: momentos, vida, trabalho, família e toda a perfeição desses contextos. Dificilmente acessamos os sofrimentos, dificuldades e vulnerabilidades das pessoas.

Algumas pessoas utilizam as redes sociais para disseminar o discurso de ódio, acreditando que não serão acusadas pelos seus atos, mesmo existindo leis que incriminam esse tipo de violência.

O impacto na saúde mental da comunidade LGBTI+ se torna quase palpável. É real, além de sofrer a discriminação nos ambientes sociais, passa por isso também no virtual.

É importante entender que esse discurso de ódio diz mais sobre quem dissemina do que quem recebe.

TB: Quais cuidados com a saúde mental nós, pessoas LGBTI+, precisamos ter, olhando para as especificidades da nossa comunidade?

LP: Acredito que o primeiro ponto é acreditar e se aceitar como você é. Se fortaleça como ser humano pertencente a uma comunidade. Você tem outras pessoas como você. O preconceito é estrutural e construído socioculturalmente, precisamos mudar aos poucos nosso ambiente e as pessoas mais próximas, na forma de se posicionar nessa discriminação.

O segundo ponto, é buscar locais de apoio. Tenha uma rede de pessoas que são como você e não tente enfrentar tudo sozinhe.

O terceiro, não menos importante: faça terapia. A terapia não é cara, o que acontece é que muitas vezes as pessoas não fazem a conta de quanto estão dispostas a investirem nelas mesmas, mas se for o caso de realmente não haver condições, existem grupos voluntários que oferecem esse tratamento sem custo.

Não tenha resistência e procure essa ajuda. Estes pontos não devem seguir uma ordem propriamente dita, mas são fundamentais para uma boa saúde mental.

TB: O Brasil é o oitavo país em número absoluto de suicídios. Em 2021, foram registradas 11.821 mortes. Como podemos agir para que o suicídio deixe de ser visto como um tabu na sociedade e consigamos trabalhar melhor a prevenção?

LP: Quanto menos falamos de algo, maior fica esse monstro. O suicídio é questão de saúde e políticas públicas, e nosso problema, como indivíduo e sociedade. O que mais se acredita é que se falarmos do suicídio irá aumentar os casos, porém o contrário é muito verdadeiro.

A prevenção ao suicídio é função de todes. Comece a falar no seu ciclo de convivência, se abra para ouvir e expor as opiniões. Quando você demonstra que está aberte para esse tema, se alguém próximo estiver pensando ou planejando, vai se sentir confortável para falar com você e vice-versa.

TB: Como profissionais da área de saúde mental podem se preparar melhor para atender às demandas específicas da população LGBTI+ e estarem mais aptos a identificar e reduzir os riscos?

LP: Profissionais da área de saúde mental devem considerar que a comunidade LGBTI+ faz parte de um grupo minoritário, e sofrem preconceito por existirem. A empatia é fundamental nesses atendimentos, a escuta e o olhar atento para as demandas.

Outro fator é estudar muito. Como profissional da saúde, precisei me desconstruir e reconstruir várias vezes, mesmo fazendo parte da comunidade LGBTI+.

Lohanna é psicóloga clínica, psicanalista em constante formação, embaixadora e voluntária TODXS. Hoje, faz atendimento voluntário pela Acolhe LGBT+. Preta, lésbica, candomblecista e mãe de 2 adolescentes.

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