TODXS
TODXS
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7 min readNov 22, 2019

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Na minha infância, eu era aquele menino que as pessoas ficavam falando que tinha “jeitinho”, meu pai brigava comigo para eu andar direito e todas essas coisas. Mas, ao mesmo tempo, eu nunca fui a criança mais afeminada da sala. Então, em um ano eu era o alvo do bullying, no outro ano, não.

Naquela época, vivia sempre naquela incógnita do que eu era. Eu tenho alguns flash de memória daquelas coisas clichês que a gente vive, como ver propaganda de cueca, que já percebia uma coisinha ou outra. Quando eu ainda era bem novinho, eu lembro que eu fiquei muito apaixonado pelo Troy e pela Gabriella quando saiu o primeiro High School Musical. Eu achava os dois lindos. Então, em um rolê com uns amigos do meu pai, eu disse exatamente isso pra eles e eu lembro que eles ficaram meio em choque. Minha mãe chegou pra mim e falou: Klébio Damas, você tem que achar a Gabriela bonita, não o Troy também. E eu ficava assim: mas gente os dois são bonitos, o que é que tem? Mas, enfim, como eu era criança, os adultos estavam sempre certos, então vamos seguir o baile.

Nisso, eu sempre fui aquela criança meio adiantada. Comecei a ter o período da paquerinha lá pros meus 10, 11, 12 anos. Então, fui um dos primeiros da minha turma a ficar com meninas, porque eu me sentia atraído por elas. Mas ao mesmo tempo, tinha um menino que era muito meu amigo. Eu queria viver com o menino e se minha mãe não deixava eu dormir na casa dele, eu chorava. Ele era o amigo da minha vida. Só que eu nunca tinha virado a chavinha que talvez eu estivesse gostando dele, afinal naquela época ele era apenas muito meu amigo. Mas com a visão que eu tenho hoje, eu estava nitidamente apaixonado por ele. Eu não tinha tanto desejo sexual, mas eu percebo hoje que eu estava apaixonado e nem eu sabia.

Mesmo assim, como eu sou do interior e tenho pais protestantes e muito conservadores, até então eu me considerava hétero. O contrário nem passava muito na minha cabeça, até porque eu não conhecia muitas pessoas LGBTs. Por sinal, até eu mudar para São Paulo, eu nunca tive um contato próximo com algum LGBT. Era sempre algo muito distante que nem entrava no meu ciclo direito, por causa da minha família e da escola que eu estudava, que também era religiosa.

Eu lembro que eu comecei a mudar um pouco essa ideia quando eu comecei a acessar sites pornôs. Eu sentia atração pelo feminino, mas de vez em quando, pra variar um pouquinho, eu via um vídeo gay. E era assim: vou ver 12 héteros e um gay só pra diferenciar. Na época, eu achava que era um tipo de fetiche. Eu também continuava ficando com meninas, tinha vontade de transar com elas, tudo dava certo e seguia o baile.

Quando eu fiquei um pouco mais velho e com a evolução da internet, surgiram os youtubers. Quando a internet me deu a oportunidade de acompanhar canais tipo o Põe na Roda, eu comecei a aprender mais e mais. E foi só ai que eu comecei a entender melhor sobre a causa bi, a causa pan. É claro que eu não entendia completamente, mas agora eu sabia que existia essa possibilidade.

Enfim, criei meu canal, virei youtuber, comecei a falar sobre livros e, naquela época, meu canal começou a crescer bem rápido. Pra quem tinha 100 mil seguidores, falando de livros, era muita coisa. Por isso, eu comecei a ter alguns trabalhos em São Paulo e passei a vir mais pra cá. Com isso, conheci muitas pessoas que gravavam vídeos e eram gay, bi, pan. E eles sempre perguntavam pra mim se eu ficaria com um menino. Era uma coisa que nunca havia passado na minha cabeça, mas foi a primeira vez que comecei a pensar: por que não?

Eu lembro direitinho uma vez que eu fui numa balada e eu vi um amigo meu que era gay beijando uma mulher. E eu pensei: mano, por que esse cara beijou uma mulher, não mudou a sexualidade dele e ele continuou sendo gay? Puxei o pensamento pra mim e cheguei a conclusão: eu sou hétero e se eu pegar um cara hoje, não vai mudar nada na minha vida, porque eu vou continuar sendo hétero.

Mas mesmo pensando isso eu não fiz nada, porque existe uma grande diferença entre o “posso” e o “vou”. Existe um medo gigantesco, ainda mais por ter sido criado dentro da igreja. A minha criação dizia que aquilo era pecado, enquanto meu lado racional falava que aquilo era normal e eu podia fazer.

Passou um tempo e nessa mesma balada, eu conheci um menino. E eu achei ele muito bonito. A gente acabou conversando, como amigos, e nisso a trocamos WhatsApp. E, com esse menino, foi a primeira vez que pensei que se eu tinha a curiosidade e eu me sentia seguro com ele, por que não seguir em frente?

Esse menino queria muito ir pra minha cidade lá no interior pra ficar comigo. Até que um dia ele foi e a gente se beijou. Mas naquela época, o desejo sexual nem aparecia. Eu não queria nada além do beijo, afinal eu ainda estava quebrando minha cabeça se eu podia ou não fazer aquilo.

Até que chegou uma vez que eu senti atração sexual por um amigo meu. Foi a primeira vez. Nisso, eu falei: opa, tem algo diferente aí! E esse meu amigo também se dizia hétero e não se aceitava, então a gente se identificava muito por essa questão. A gente começou a ficar bastante, só que ele só tinha mais um mês na minha cidade, porque ele tinha passado numa faculdade federal e iria embora.

Mesmo ficando com meninos e meninas eu não sabia que era bi, porque nunca nem haviam falado essa palavra pra mim. Ninguém chega pra você e falam: ah, você é bi! Ninguém fala que você é pan. Falam: você é gay, hétero. Porque geralmente se atribuem aos estereótipos das duas pontas da sexualidade, que é, na verdade, totalmente flexível.

Nesse meio tempo, eu continuava a vir bastante pra São Paulo e foi quando eu conheci meu atual namorado. Foi com ele eu me identifiquei como bi, ou seja, só com meu namorado atual que eu comecei a perceber que realmente eu me apaixonava por meninos também. Antes, eu imaginava que era possível sim ficar com uma pessoa independente do seu gênero, porque eu já sentia essa atração há muito tempo, mas eu nunca pensei que iria morar com um homem.

Nesse período o Youtube era algo que me ensinava muito, mas ao mesmo tempo, nessa fase que eu ainda estava me entendendo, as pessoas começaram a sacar. Eu tinha começado a mostrar meu namorado, mas falava que era um amigo. Mas as pessoas perguntavam muito que se era namoro e ficavam tirando sarro falando que era algo óbvio, que todo mundo sabia.

Isso fazia muito mal pra mim. Eu estava me aceitando ainda, meus pais não sabiam, meus amigos do interior não sabiam. Então, eu me sentia muito mal e aquilo fez eu me fechar por muito tempo. Não é a toa que eu só fui falar na internet que eu namorava depois de 2 anos de relacionamento porque ainda que eu sentisse que iria falar no começo, eu sentia tanta pressão da galera que eu acabei me fechando mais ainda.

Além disso, eu queria muito entender quem eu era, porque todo mundo chegava pra mim e falava: você é gay. Só que eu gostava também de ficar com meninas. Eu estava ficando com um menino, mas nada impedia que amanhã ou depois eu ficasse com uma menina. Então, eu tive que me entender com isso pra depois falar com as pessoas.

E nisso, eu senti uma lacuna na internet. Tudo era muito 0 ou 80, hétero versus gays. Naquela época existiam poucas pessoas que levantavam a bandeira, batiam no peito falando que era bi e não deixava ninguém menosprezar. Então eu comecei a falar de sexualidade no meu canal, eu queria muito ser a pessoa que eu não tive pra me inspirar.

Então foi isso! E hoje em dia eu tenho o maior orgulho! Eu acho que a gente passa por várias fases: tem essa escaladinha de se aceitar, de entender quem você é, de sentir orgulho e, ainda bem, que eu acho que cheguei nessa fase. Mas eu acredito que todo mundo tem seu tempo, então vai com calma que vai ficar tudo bem. Vá no seu tempo, faça as coisas que te fazem sentir bem e não vá com a cabeça dos outros porque você realmente se sentir bem é o que importa. Depois que você estiver se sentindo bem, aí sim você tenta pensar na causa como um todo e tenta ajudar cada vez mais. Afinal, não tem como ajudar sem você estar preparado.

Klébio tem 23 anos e é criador do canal “Mundo Paralelo”, que conta com quase 970 mil fãs.

Com muita graça e bom-humor, Klébio cria vídeos sobre assuntos do momento, empoderamento LGBT+, Lifestyle, cultura pop, causas sociais e auto-conhecimento de uma forma leve e engraçada.

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