TODXS
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4 min readApr 13, 2020

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Você entende o que é ser mulher a partir do momento que você nasce. Mas quando você se compreende como preta e parte da comunidade LGBTQI+, em uma sociedade que não poupa esforços para ver essas minorias escondidas, você entende a luta que terá para continuar sobrevivendo. E, se considerarmos apenas números, nós somos muitos, o problema está em quem ainda tenta nos tratar como poucos.

Minha trajetória nesta terrinha nunca foi fácil. Sou caiçara, vim de Mongaguá, minha família não é tão tradicional como a de muitos, mas no final boa parte dela sempre esteve comigo. E, com o tempo, aprendi que família não se resume a sangue. E, graças ao universo e aos Orixás que me protegem, pude construir minha própria família e hoje, eles são tudo pra mim.

Aos 16 anos, fui expulsa de casa pelo meu padrasto e por mais estranho que pareça agora, isso não aconteceu pela minha sexualidade. Aos 17, eu já era totalmente independente e estava estabilizada, então decidi que era a hora de me assumir lésbica. Ao receber tanto apoio da minha família, senti que nada mais pudesse me atingir. Talvez, eu estivesse um pouco enganada.

Cheguei na capital de São Paulo com 19 anos e lembro de uma das primeiras vezes que eu fui na famosa Rua Augusta. Alí, eu já me sentia totalmente confortável com quem eu era, então era comum usar bermudas, bonés e camisetas largas, e foi assim que eu me vesti naquele dia. Me diverti como nunca, até a hora que resolvi ir embora.

Eu estava a uns cinco quarteirões da Av. Paulista e em uma dessas esquinas trombei com um grupo de seis homens, todos dentro do estereótipo de um grupo extremista. Quando me viram, começaram a me xingar: “maria macho”, “sapatão” e muitos outros termos que foram empregados de forma pejorativa. Como somos ensinados a ignorar, foi o que eu fiz. Continuei andando até que um deles gritou:

“Vou mostrar pra ela como se faz pra virar mulher de verdade.”

Minha reação foi automática. Nenhuma frase me assustou tanto quanto essa. Nenhuma me causou tanto medo. E eu corri quando ouvi os passos deles atrás de mim e eles também correram. Eu via todo mundo andando normal nas calçadas e ninguém parou para me ajudar ou entender o que estava acontecendo. Enquanto eles berravam xingamentos, eu sentia que o tempo passava lentamente. Eu corri muito e eles quase me alcançaram, mas para minha sorte, cheguei a porta da estação de metrô e lá tinha um grupo de meninas paradas. Tinha alguns caras por ali também e um deles perguntou o que estava acontecendo. Eu gritei que tinha uns caras me perseguindo. As meninas pediram para eu me acalmar e o grupo extremista chegou na estação. Aí eles já começaram a xingar todo mundo, falando que eu merecia levar uma surra por achar que eu era homem e vieram para cima. Foi só quando todo mundo começou a chamar os seguranças que eles se afastaram. Mas não sem antes dizer que eu poderia fugir agora, mas que uma hora eles iam me encontrar.

Normalmente, a sociedade espera que as minorias sejam frágeis e para que se possa fazer o que quiser com a gente. Mas dar de cara com um homem que gritava que eu tinha que “virar mulher”, foi traumático, me senti totalmente impotente e fraca. Apesar disso, não chorei, porque fui ensinada a não demonstrar fraqueza. Por fora era o que eu mostrava, mas por dentro eu estava destruída. Mesmo chegando em casa salva, por alguns meses lutei contra a síndrome de perseguição. Eu me recuperei, voltei mais forte do que nunca e hoje não me sinto invencível, mas me sinto pronta para não deixar ninguém ditar o que eu devo ou não ser e muito menos suportar ser oprimida por ser quem eu sou.

Sou forte, sou mulher, sou preta, de religião afro-brasileira, vim da periferia e a gente nasceu pra sobreviver e é isso que fazemos todos os dias. Eles vão tentar de tudo. Nos destruir vai ser o objetivo, mas quando nós percebemos que nosso lugar é em todo lugar, não tem quem nos derrube.

Loma Lisboa tem 27 anos. Caiçara de nascença e morando atualmente em São Paulo, ela é formada em Tecnologia da Informação e co-fundadora da agência de produção @ZipCasting. Além de participar da 1° temporada do The Circle Brasil da Netflix, ela é influenciadora digital e criadora de conteúdos sobre empoderamento feminino e causas LGBTQIA+. Nas suas redes sociais, fala de maneira leve e bem humorada sobre a sua desconstrução diária, seu cotidiano e também sobre os eventos produzidos pela sua agência.

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