Diêgo Lôbo
TODXS
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6 min readDec 27, 2019

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O ano de 2019 não foi fácil para a comunidade LGBTI+. Apesar de termos mais visibilidade e representação do que nunca antes, os ataques e ameaças aos nossos direitos foram constantes. Mulheres, pessoas negras e trans sofreram ainda mais preconceito, intolerância e violência desde que o país tomou rumos mais conservadores com as eleições do ano passado.

Mas 2019 foi também um ano de resistência. Mostramos que não, que não vamos soltar a mão de ninguém, que não voltaremos para o armário e que não toleraremos nenhuma forma de LGBTfobia. Por isso, reunimos aqui alguns dos momentos em que sentimos aquele calorzinho no coração, que nos dá esperança de que superaremos tudo isso.

  1. Finalmente, a homofobia e transfobia se tornaram crimes

Lá em junho, quando celebrávamos 50 anos de Stonewall e o mês de visibilidade LGBTI+, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por criminalizar declarações homofóbicas e transfóbicas, que poderão ser enquadradas no crime de racismo. A pena para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” a LGBTIs é de até três anos, podendo chegar a cinco anos se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como redes sociais. Com a decisão, Brasil passou a fazer parte dos 43 paises no mundo que têm leis que criminalizam a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Para o país que mais violanta sua população LGBTI+, é para celebrar de pé, não é menines?

2. Quando a censura fez esgotar livros com temáticas LGBTI+ na Bienal do Livro no Rio

Em setembro, o prefeito pastor do Rio, Marcelo Crivella, mandou fiscais para recolher uma história em quadrinho da Marvel que estava à venda na Bienal do Livro. Segundo ele, fazia isso para “proteger as crianças” já que o “conteúdo impróprio” não condizia com as suas idades. O conteúdo impróprio? Um beijo gay. Em pleno 2019, quando já caminhamos para naturalização do beijo gay em novelas — que, por sua vez, apresentam conteúdo muito mais impróprio que um beijo inocente — o ato de censura do herdeiro da Igreja Universal teve o efeito oposto. Não só fez aumentar o público da Bienal, como conseguiu esgotar o gibi e outros livros com a temática LGBTI+ da Bienal. Em grande parte porque o YouTuber Felipe Neto desafiou o prefeito e comprou 14 mil livros, distribuindo-os gratuitamente entre aos visitantes da feira. Ao fazer o anúncio, ele deu o recado — ao pastor e aos conservadores de plantão: “Eu fiz isso para te mostrar que não tem como você ganhar isso. Não tem como vocês reprimirem a população em pleno 2019”. Não só isso: a imagem que tanto queria escondida, foi parar na capa do principal jornal do país. #NãoVaiTerCensura

3. Homofobia no futebol, não!

Sabemos que há muita LGBTfobia no esporte, não é? No futebol, potencialmente ainda mais. Mas se depender do árbitro Anderson Daronco, homofóbicos não passarão. Era agosto, quando ele apitava Vasco contra São Paulo. Ao ouvir gritos da torcida do time carioca chamando o time adversário de “time de veado”, não deu outra. Anderson parou o jogo, alertou aos técnicos de ambos os times e só reiniciou a partida quando a torcida parou com os insultos. Foi a primeira vez que uma partida de futebol foi interrompida por insultos homofóbicos. Anderson cumpria uma determinação da Fifa que orienta a paralisação do jogo em episódios como esse. O episódio levou diversos clubes da série A a lançar uma campanha nas redes sociais afirmando que “grito homofóbico é crime dentro e fora dos estádios”. Este ano, porém, um time foi além. Em jogo contra o Fortaleza, em Salvador, o Esporte Clube Bahia trocou as bandeiras do escanteio por bandeiras do Orgulho LGBTI. Achando pouco, a torcida Torcida LGBTricolor lançou, com o aval do time, uma camisa com as cores da bandeira. #BoraBahiaMinhaPorra. Esperemos que esta seja uma jogada que entrará de vez para o time contra a LGBTfobia.

4. De Teresina para o Mundo: Pabllo Vittar continua indo longe demais

Não dá para fazer uma lista de conquistas da comunidade LGBTI+ em 2019 sem falar dela. Pabllo ousou brilhar. Sem rodeios, sem desculpas, desafiou o status quo sobre o que é ser uma artista. Num país cada vez mais conservador, transcendeu identidade de gêneros e quebrou barreiras — inclusive as de fronteira. Apesar do sucesso nos anos anteriores, 2019 foi o ano em que consolidou sua carreira internacional. Não só as diversas contribuições que fez, mas o reconhecimento que começa a receber. Pela Time, foi eleita uma das 10 líderes da próxima geração. Participou de um evento em comemoração ao aniversário da Rainha Elizabeth na sede da ONU, em Nova York. Em novembro, recebeu da MTV Europe Music Awards (EMA) o título de melhor artista brasileira — para se ter uma ideia, Taylor Swift levou o prêmio para os EUA. Com isso, se tornou a primeira drag queen a ganhar o título e a primeira artista brazuca a se apresentar no tapete vermelho. Cansou? Pera que tem mais. Em abril, a drag foi capa da revista britânica Gay Times, e em apenas cinco horas fez as vendas da revista disparar — “você se tornou nosso maior lançamento de capa de todos os tempos”, disse o diretor da revista. Da mesma revista, Pabllo recebeu o Drag Hero Award, em evento em Londres. Ah, e não esqueçam que ela fez uma participação, como jurado, da versão alemão de RuPaul Drag Race, o Queen of Drags — doido pra assistir.

5. Representatividade trans na telinha da Globo

E no horário nobre, uma personagem trans ganhou protagonismo na novela das nove da Rede Globo. Britney, interpretada pela atriz Glamour Garcia, foi para o interior como Rarisson para estudar e voltou anos depois já transicionada, surpreendendo toda sua família. Apesar de ser ter sido bastante criticada por não mostrar com profundidade as questões que atingem à população trans, a novela terminou com o primeiro beijo entre uma mulher trans e um homem cis nas novelas da Rede Globo. Por sua atuação, Glamour recebeu o Trofeu Domingão como melhor atriz, tendo concorrido com a também mulher trans Nany People. Na atual novela das sete, “Bom Sucesso”, também temos representatividade trans, com Gabrielle Joie interpretando Michelly, uma adolescente extrovertida de 15 anos que está descobrindo suas questões de gênero e enfrenta o preconceito na escola.

6. Não há nenhuma barreira que o amor de uma família não possa superar

E quem lembra do caso de Richard Alcântara? A história do jovem trans viralizou nas redes em outubro. Richard passava por problemas de aceitação e tinha receio de sofrer rejeição da família. Por ainda não ter feito a mastectomia, cirurgia de retirada dos seios, o rapaz usa um adesivo para esconder o seio. O churrasco da família seria a primeira vez que ele estaria sem camisa em frente da família. Para sua grande surpresa, os homens de sua família o esperavam também com adesivos no peito. O vídeo abaixo é de emocionar qualquer pessoa, né?

E para vocês, quais outras razões temos para celebrar?

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Diêgo Lôbo
TODXS
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Ativista de direitos humanos, saúde e meio ambiente.