Olá, meu nome é Samir e eu sou gay praticante há 16 anos. Eu sou da geração que não existia internet para se pesquisar como é ser LGBT, ainda mais se você morasse no interior de Minas Gerais.
Não existia representatividade em filmes, séries, novelas, música, no colégio, em lugar nenhum. A única referência que eu lembro de gays na mídia era o filme Priscila — A Rainha do Deserto, ou na novela a gay caricata chaveirinho de algum personagem. Nada contra, mas ser gay sempre era atrelado a chacota pelos héteros. Também lembro quando o George Michael foi flagrado fazendo banheirão, pensei: deve ser gay. Cazuza e Renato Russo também, mas já tinham falecido quando eu comecei a questionar minha sexualidade, então nunca foram referência.
No mundo real era aquele parente de alguém que está com um “amigo” no churrasco do domingo, mas ninguém comenta, as travestis que andavam pela rua (sempre hostilizadas) e as bichas afrontosas que não tinham medo de dar pinta na rua, ficavam faladas na cidade como “ah la a bichinha, que desgosto pra família”.
Dava medo ser gay, você não queria virar um alvo. Quisera eu poder voltar pro Samir de 12 anos e falar: “bee, dá sua pinta à vontade, você não vai ligar nem um pouco pra isso no futuro.”
Era algo tão secreto e individual, que até meus amigos de infância, que eu claramente sabia que deveriam ser como eu — e hoje sei que são — não falavam sobre o assunto. Uma infância toda perdida podendo falar dos crushs com os amigos.
Na faculdade você começa a tacar o foda-se e quer ter a experiência completa. Pronto, beijei um cara. Uau, então sou gay mesmo! Óbvio que me apaixonei e não deu em nada. Fiz meu primeiro amigo abertamente LGBT, conheci as lésbicas amigas dele. De repente tinha um círculo de amigos pequeno que era como eu, mas ainda tinha a última fronteira: ser gay em público no meio de outros gays.
Morria de medo de ser visto entrando em um bar/balada LGBT. E se alguém me visse entrando? Ia ficar falado como as bichas que não tinham medo de dar pinta e serem xingadas? Iam comentar pela cidade? Outro questionamento: o que acontece lá dentro? A referência de filmes era a mais caricata possível: grandes festas de hedonismo a la Studio 54, clubes de sexo e fetiche, orgias, pegação geral, um grande sururu. Coisas que hoje já vi todos, rs, mas na época, não tinha o menor psicológico pra isso.
É surreal como eu tinha medo que até os outros LGBTs soubessem que eu era um. Tinha medo de encontrar com alguém na rua que eu vi lá e ele me olhar com aquela cara de “eu sei quem você é”, como se fosse uma identidade secreta. COMO SE FOSSE ALGUM PROBLEMA!
Bem, eu e meu amigo Gilson criamos coragem. Fomos. Escolhemos um bar que ficava em uma rua bem deserta, a chance de alguém nos ver seria mínima. Logo na porta uma drag queen de hostess, ela sentiu no ar a nossa apreensão e claro, zoou com a nossa cara, quase um acorda menina, fica esperta, seja forte, se quiser ser gay no mundo vai ter que aprender a lidar com a gozação e com os ataques, vai ser bem pior.
Quando entramos, a cabeça fundiu, era só um bar normal, com uma pista que cabia umas 50 pessoas. Mas pra quem não conhecia 10, de repente estava entre umas 200 pessoas que enfrentavam os mesmos dramas que eu.
Tinha gay, tinha lésbica, drag queens, trans, que na época só conhecíamos como travestis, todo mundo da comunidade ali tomando uma cerveja, dançando uma Cher, Britney ou ABBA, algumas paqueras, tudo muito corriqueiro. Impressionante ver gente igual a mim só curtindo sem que “ser LGBT” fosse um segredo ou uma questão. Cada um com uma história.
Foi a primeira vez que eu entendi que iria encontrar MUITA gente como eu na vida, que dava pra curtir uma balada exatamente como eu fazia na versão heterossexual, mas só com LGBTs. Foi a primeira vez que senti como é muito mais fácil quando a gente vive e existe junto. Foi aí que eu entendi o significado e a importância de fazer parte de uma comunidade.
Samir Duarte nasceu em Itaúna, Minas Gerais. É podcaster no Um Milkshake Chamado Wanda e YouTuber no canal Samir, O Samsworld.