Para além dos números: a importância do levantamento de dados sobre a população LGBTI+

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5 min readApr 1, 2021

Por Cássia Regina Santos
Analista de Sociedade em P&D

A produção de dados sobre a população LGBTI+ ainda é bastante limitada no Brasil. Quando se fala no levantamento desses dados por iniciativa do Estado, em nível nacional, são muito poucos os esforços.

A última medida nesse sentido foi tomada há mais de 10 anos atrás, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), principal órgão na produção de dados de abrangência nacional contabilizou, no Censo de 2010, companheires do mesmo sexo que conviviam conjugalmente no respectivo domicílio (IBGE, 2010).

Ainda que relevante, os índices do IBGE (IBGE, 2010) sobre casais homoafetivos não correspondem à realidade nacional, visto que parte da população LGBTI+ não (con)vive conforme os arranjos sociais padronizados.

Identifica-se, através do Censo de 2010, os domicílios compostos por casais do mesmo sexo. Porém são invisibilizadas as identidades de gênero de pessoas transexuais e travestis, além de outros recortes dentro da comunidade LGBTI+ que acabam sendo negligenciados na produção de dados pelo Governo Federal.

Não se pode acreditar que o desinteresse pela produção de informações oficiais, sobre a população LGBTI+ por parte do Estado, seja por acaso.

É através de dados que se fomenta a produção de pesquisas na área e, consequentemente, a produção de políticas de Segurança, Saúde, Mercado de trabalho e Educação para a população LGBTI+.

Sem esses números, ficam impossibilitados os desenvolvimentos teóricos e práticos sobre a comunidade.

O desmantelamento de instituições que promovem pautas sobre a comunidade é declaradamente impulsionado pelos setores ditos “conservadores” que atuam nos âmbitos dos Três Poderes (LUNA, 2017).

Sem dados oficiais para contradizer esses atores, fica mais fácil criar fábulas sobre a comunidade a fim de minimizar as necessidades e desmerecer as conquistas LGBTI+.

No setor privado não é muito diferente. Apesar do aparecimento de iniciativas pela promoção da inclusão e da diversidade, são raros os esforços a respeito do levantamento de dados sobre a população LGBTI+ pelas instituições privadas.

Talvez por ainda ignorarem o potencial econômico que esta sigla carrega, talvez pela influência de setores conservadores da sociedade ou mesmo por puro desinteresse.

O Terceiro Setor e a produção de informações sobre pessoas LGBTI+

Entendendo o caráter indispensável da produção e interpretação de dados, são as Organizações Não-Governamentais que vêm, há muito tempo, devolvendo à sociedade uma gama de saberes sobre a população LGBTI+.

A partir dessas referências, fomentando a elaboração de artigos, cartilhas, manuais e pesquisas inéditas em diversos setores.

A TODXS (2020), organização sem fins lucrativos, trabalha pela promoção da comunidade LGBTI+, por exemplo, a partir de dados recolhidos no território nacional.

A Organização tem gerado pesquisas, que se desenvolvem com o intuito de potencializar conhecimentos sobre vários aspectos que norteiam as vivências da comunidade LGBTI+ brasileira.

Eles vão desde as identidades e seu perfil sociodemográfico, passando pela renda, mercado de trabalho e saúde, até a discriminação e outras violências.

São inegáveis as violências sofridas pela Comunidade LGBTI+ ao longo da história do Brasil:

  • a privação e limitação do exercício de direitos é recorrente;
  • índices apontam o Brasil como o país que mais mata pessoas transexuais e travestis no mundo (ANTRA, 2020; pg. 56);
  • a negação identitária;
  • o desrespeito às trajetórias são estratégias estruturais de apagamento e silenciamento que se repetem todos os dias.

Também é fato que o levantamento de dados sobre a comunidade, sozinho, não tem potencial para reparar esses danos.

Mas é através dos números que se pode contabilizar essas violências e, daí, construir bases para exigir o estabelecimento de políticas públicas, governamentais ou não, entre outros tipos de reparações fundamentais à extinção dessas injustiças.

O enquadramento da LGBTIfobia como crime de racismo em 2019, por exemplo, foi estimulado pela compilação de índices sobre a violência contra a pessoas LGBTI+; o direito de doar sangue, que só foi garantido em 2020, foi impulsionado pelo levantamento de informações na área da Saúde LGBTI+; a inserção de cotas para pessoas da comunidade é fruto também das pesquisas e dos números que atestam sua necessidade.

Portanto, é a partir dos dados que conseguimos direcionar as demandas por direitos e políticas específicas para essa população.

Promovendo a igualdade através da compreensão

A construção teórica embasada em dados oficiais repercute na exposição concreta da realidade e numa leitura mais responsável das demandas da comunidade LGBTI+.

Isso porque a produção de pesquisas leva à compreensão dos esforços, vivências, desafios e conquistas estampados na bandeira LGBTI+.

É indiscutível a importância da atuação de pessoas LGBTI+ enquanto pesquisadoras e enquanto interlocutoras de pesquisas. Dessa forma podemos colocar na pesquisa a sensibilidade, a humanidade e a seriedade devidas aos temas necessários à comunidade.

Importante também ampliar o debate para fora da comunidade LGBTI+, e produzir dados para embasar diálogos com outros setores da sociedade, fazendo com que estes compreendam as realidades por trás dos números.

Os dados que são produzidos, apesar das adversidades, já desempenham importantes papéis no sentido de denunciar cenários discriminatórios e desiguais, da mesma forma que fundamentam e justificam demandas LGBTI+.

É por meio de estudos sobre a população LGBTI+ que conseguimos identificar e dar visibilidade às reivindicações desse grupo, fomentar a produção de pesquisas, informar a sociedade e ao Estado sobre pautas fundamentais à causa LGBTI+.

Através dos mesmo estudos, é possível também direcionar o desenvolvimento de políticas públicas, bem como identificar e neutralizar violências contra a comunidade, para finalmente alcançar a inclusão e a equidade, respeitando as diferenças da comunidade LGBTI+ em nossa sociedade.

Referências bibliográficas:

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS [ANTRA]. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. Bruna G. Benevides, Sayonara Naider Bonfim Nogueira (orgs). São Paulo: Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2020. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf. Acesso em: 16/02/2021.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE]. Censo Demográfico 2010. Características da População e dos Domicílios. Rio de Janeiro, IBGE: 2011. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/93/cd_2010_caracteristicas_populacao_domicilios.pdf. Acesso em 16/02/2021.

LUNA, Naara. A criminalização da “ideologia de gênero”: uma análise do debate sobre diversidade sexual na Câmara dos Deputados em 2015. Cadernos Pagu, Campinas: 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332017000200311&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 16/02/2021.

TODXS. Pesquisa nacional por amostra da população LGBTI+: Identidade e perfil sociodemográfico. São Paulo: 2020. Disponível em: https://mailchi.mp/524a998ccd41/pesquisanacionaltodxs. Acesso em: 01/03/2021.

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