Vitor Garcia de Oliveira
TODXS
Published in
6 min readOct 22, 2019

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Sexo? Romance? Prefiro bolo! A assexualidade e arromanticidade em um mundo regido pelo sexo e pelo romance.

Você já deve ter se pegado tentando adivinhar a orientação sexual de uma pessoa que você viu na rua e te chamou a atenção. Do seu ídolo ou sua ídola. Ou até mesmo de um personagem fictício.

Em momentos como esse, é muito comum pensarmos em apenas três “possibilidades”: que essa pessoa é ou homossexual ou heterossexual ou bissexual. Ao menos comigo era assim. Afinal, tinha muito a ver com aquela história de: será que vou ter chance com essa pessoa?

Mas a diversidade sexual, afetiva e de gênero é muito mais rica do que isso. E acabamos muitas vezes por esquecer, negligenciar ou invisibilizar alguns desses outros espectros. É o caso, por exemplo, de assexuais e pessoas arromânticas.

Entendendo melhor sobre o assunto

Para começar a falar qualquer ponto sobre esse tema é importante, antes de tudo, deixarmos claro algumas coisinhas. Nas relações humanas, há diferentes tipos de atração: a sexual, a sensual ou sensorial, a romântica, a platônica, a estética e outras mais.

Aqui, focaremos em duas:

  • A atração sexual, como o próprio nome diz, é aquela que nos leva a ter vontade de fazer sexo com alguém
  • A atração romântica, por sua vez, é aquele desejo de ter uma relação romântica com as pessoas: o famoso se apaixonar

Com base nesse primeiro tipo de atração, podemos entender melhor o espectro da assexualidade. Digo aqui espectro porque, assim como outras orientações, a assexualidade não é algo rígido e imutável. É algo que se manifesta de inúmeras maneiras. Nesse conceito guarda-chuva, porém, estariam todas aquelas pessoas que não sentem atração sexual por outras pessoas, seja essa ausência total ou parcialmente.

Dentro da assexualidade, costuma-se classificar três grupos principais. O primeiro deles seria o de assexuais estritos, isto é, aquelas pessoas que não sentem atração sexual em hipótese alguma (do lado “oposto” estariam pessoas como eu, alossexuais, que sentem atração sexual regularmente). Essas são aquelas pessoas que entre escolher um bolo e uma noite de sexo, escolheriam, sem qualquer relutância, se deliciar com o doce (essa, por sinal, é uma brincadeira muito comum feita entre assexuais).

Mas, como na espécie humana, nada se restringe apenas a um tipo muito rígido e fechado, há também demissexuais e as pessoas chamadas de assexuais da área cinza (gray-aces). Enquanto os primeiros só tem a possibilidade de sentir atração sexual se criar um vínculo afetivo com a pessoa, os assexuais da área cinza sentem atração sexual apenas em algumas situações bem específicas. Ou seja, enquanto demissexuais só comeriam aquele bolo se ele fosse de chocolate, que é algo que aquela determinada pessoa gosta e se identifica muito, assexuais da área cinza só comeriam esse mesmo bolo se estivessem com outra pessoa em um final de tarde com um pôr do sol na praia, por exemplo.

Na bandeira assexual, você consegue ver tudo isso representado:

Você já achou essa diversidade dentro da assexualidade algo grande? Espera só que tem um pouquinhos mais.

Dentre assexuais, há, além disso, três “tipos” diferentes:

  • assexuais sexo positivo: são aquelas pessoas que mesmo que não sintam atração sexual, podem realizar e gostar do ato sexual
  • assexuais sexo neutro: são as pessoas indiferentes em relação ao ato sexual
  • assexuais sexo repulsivo: não sentem atração e não gostam do ato de forma alguma

Você já está juntando todas as pecinhas para esse grande quebra-cabeça que é a diversidade humana? Então, vamos seguir o caminho.

Tá, mas quando entra a questão romântica?

Passando para o segundo tipo de atração que falei lá em cima, a atração romântica, as pessoas arromânticas também são caracterizadas pela falta total ou parcial de algo. Nesse caso, da atração romântica. Para ficar mais fácil de visualizar, podemos dizer que essa pessoa não se apaixona. Não sente as tais das borboletas no estômago, sabe?

Mas se ao ler isso, você pensou que essa pessoa só pode ser alguém fria ou sociopata, estamos seguindo o caminho errado. Esse, por sinal, é um dos muitos estigmas colocados nas costas das pessoas arromânticas. Isso porque, embora não sintam atração romântica por outras pessoas, as pessoas arromânticas sentem afeto, amor parental, fraternal e etc.

Além disso, assim como ocorre com a assexualidade, existem tipos de arromanticidades. Vamos lá:

  • As pessoas arromânticas estritas não sentem atração romântica em hipótese alguma
  • As pessoas demiromânticas só sentem atração romântica quando existe um forte vínculo afetivo
  • Já as arromânticas da área cinza (gray-aros) sentem atração romântica apenas em algumas situações específicas

Viu como é fácil? Segue inclusive muito da linha de organização de assexuais.

Mas nem tudo é fácil

Viver como assexual ou pessoa arromântica numa sociedade na qual impera a noção de que só é possível ser feliz se encontrarmos um par romântico é uma rotina árdua. Por sinal, o ideal é que seja um par romântico que faça sexo regularmente contigo. Se for todo dia, melhor ainda, segundo essa visão.

Chegamos ao ponto inclusive de colocarmos o sexo como uma questão de status, principalmente na adolescência que é um momento em que estamos descobrindo mais sobre nós, nosso corpo e as relações humanas.

Até mesmo no meio médico, adota-se muitas vezes essa visão de que o sexo é necessário (se não essencial) para as pessoas viverem bem e que, por isso, todo mundo deveria gostar e praticar sexo com certa frequência.

Os estigmas começam já na própria utilização de termos. Pessoas que não sentem atração sexual por outras pessoas, total ou parcialmente, são assexuais. Assexuado ou assexuada não são termos adequados, já que estão atrelados a modos de reprodução, como os das plantas. A Olga, que participou de um dos episódios do Todas as Letras, nos explica o porquê dessa diferenciação: “Eu não sou assexuada, eu sou assexual, porque tem a ver com sexualidade, não com a minha biologia”.

No âmbito das relações humanas, as dificuldades de assexuais e pessoas arromânticas aumentam. É comum, por exemplo, algumas pessoas alosexuais (isto é, aquelas que sentem atração sexual por outras pessoas) não se sentirem amadas quando se relacionam com pessoas assexuais, por verem o sexo como uma forma necessária de afeto. Isso ocorre porque é comum entendermos amor e sexo como coisas indissociáveis. Mas já parou para pensar que isso é algo cultural? É por isso que relacionamento duradouros mas abertos ainda chocam e causam desconfiança entre as pessoas. É por isso também que estranhamos práticas comuns em outras culturas.

Algumas dessas pessoas, podem inclusive associar erroneamente, sem grandes análises, a assexualidade a algum trauma que a pessoa passou ou a algum suposto problema hormonal. Isso, além de causar graves prejuízos a essas pessoas, podem fazer com que elas se afastem para sempre de consultas com profissionais, como ginecologistas, que podem não estar preparades para atendê-las.

No nível patológico, é fato que existe uma doença relacionada ao desejo sexual. Ela, porém, é muito diferente da assexualidade. Isto porque a chamada hipossexualidade é uma ausência de desejo sexual que causa sofrimento. Em casos como esse, a pessoa até gostaria de sentir ou de sentir uma dose maior de desejo sexual, mas não consegue e por isso sofre.

Em um cenário tão complexo assim, considerável número de assexuais e pessoas arromânticas optam pelo silenciamento. Já que as outras pessoas irão julgá-las ou não compreendê-las adequadamente, por que contar para elas o que são e como se sentem?

A falta de informação e o desconhecimento da possibilidade de assexualidade e arromanticidade levam inclusive essas pessoas a primeiro acharem que são homossexuais, bi ou alguma outra orientação sexual. Ou que há algum problema com elas. Seriam os hormônios? Seria algo psicológico? Que se somam as preocupações. Eu vou passar o resto da vida sozinhe? Ninguém vai querer ficar comigo?

É somente com a difusão de informações que essas pessoas vão se entendendo melhor e passam a compreender que não ter um par romântico ou não fazer sexo não significa que você passará a vida toda sozinhe. E é justamente nisso que reside a intenção desse texto. Através da informação, conseguimos superar estereótipos e desconstruir preconceitos que permeiam inclusive as outras letras da sigla LGBTQIA+.

Nossa diversidade é tão rica, que há muito ainda a ser descoberta. Por isso, sinta-se livre para colocar aqui embaixo suas dúvidas e apresentar suas vivências, experiências e conhecimentos. Assim, podemos enriquecer ainda mais essa conversa!

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