“a forma viva de uma nave-mãe”, a poesia de Wanda Monteiro

revista toró
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A onda arqueia o desejo
sob suas entranhas
o fruto de fogo
à espera do parto

o dorso feito de sal e espuma
inclina-se para ouvir o rumor do tempo

*

Algo de sopro se expande
sob as vértebras do mar
o azul tomba ao rés da areia
no raso de suas águas

Apenas uma palavra ergue-se
feito coluna rochosa
à espreita de urano
em seu inquieto sono

Se signo fosse seria um deus
a repetir-se na estranha força
de ondular infindo
em si e por si
sob a pétrea regência suspensa
no abismo das equidistâncias

Fosse deus seria o mar
esse corpo erguido ao vento
a forma viva de uma nave-mãe
nave líquida
mãe movente
face oculta do deserto

*

A cripta suscita o nome
guardado em segredo
no corpo mineral

A pedra esse corpo cuspido
escrito à flor do fogo feito larva
menstruo aceso correndo por
dentre as gengivas da grande rocha

Eis o mistério da página
esse olho pétreo e aberto
a rasgar o mar
a irromper o céu
onde a palavra nasce acesa
numa salamandra ardente feito grito
que ao percorrer a voragem dos silêncios
diz não à morte

Wanda Monteiro — escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas, em Alenquer, Pará, Brasil. Obras publicadas: O Beijo da Chuva, 2008, e Anverso, 2011, ambos pela Ed. Amazônia; Duas Mulheres Entardecendo, 2015, Ed. Tempo _ escrito em parceria com a escritora Maria Helena Latini; Aquatempo, 2016, Ed. Literacidade; A Liturgia do Tempo e outros Silêncios, 2019 e Aquatempo Aquatiempo, edição bilingue para o espanhol, ambos pela Ed. Patuá, 2020; Chão de Exílio, 2022, Ed. Amo. Publicou pelo selo da Ed. Mirada as plaquetes: Discurso Sobre la Tierra, O Corpo esse mar de Sal e Sangue; Oroborus.

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