“as fotos pressentem a morte”, a poesia de Juliana Gelmini
sutura
os olhos pressentem a dor
se fecham
se cegam
em ciscos
como se o consolo
fosse possível
disse:
minha mãe piorou
vai ser intubada
o corpo pressente a dor
arrepio
alergia
afta
pneumonia
a febre toca o alarme
estado geral grave
você olha
ela viva
naquela fotografia
antes da pandemia
as fotos pressentem a morte
disse:
não precisa me ligar
já chorei muito
que deus a tome em bom lugar
o silêncio sutura a dor
presa à roda do teu nome
a garganta seca
pela angústia
brasil ultrapassa
500 mil mortos
enquanto
escrevo um poema
para você
a lamber
em câmera lenta
as cascas da tua ferida
como se o alívio
fosse possível
*
penso nas âncoras
feitas de pedras
séculos submersas
imóveis sob o olhar
dos peixes abissais
fincadas no mar
da memória
mas o sal dos corpos
corrói os olhos
as âncoras oscilam
tornam-se pedras leves
desgastadas
pelo rumor do mar
a rasgar
seus corpos ancestrais
como um papel molhado:
é sempre mais difícil ancorar
um navio no espaço
*
escuto
os amantes de valdoro
ao olhar seus ossos
há milênios abraçados
as pernas encolhidas
os corpos calados
a segredar carícias
penso no motivo
uma comunicação arrisco
como se fosse estrangeira
e escuto
na língua dos mortos
a partilha comum
⠀⠀⠀⠀
Quer acompanhar o trabalho de Juliana Gelmini?
Instagram
Juliana Gelmini nasceu em 1985, no Rio de Janeiro, onde mora. É autora do livro Insólito Sólido (Patuá, 2017). Mestre em literatura brasileira (UERJ), especialista em literatura para crianças e jovens (UFRJ) e licenciada em letras (UFRJ). Atualmente, é doutoranda em literatura brasileira (UERJ) e atua como pesquisadora-bolsista da CAPES. Sua pesquisa investiga a poesia contemporânea de Ana Martins Marques, Angélica Freitas e Marília Garcia. Participa, como integrante do corpo discente, do projeto de extensão da UERJ Poesia, ficção e crítica. Também faz parte do coletivo de escrita Ecos poéticos, com publicações contínuas no Instagram. Atuou como professora temporária do Colégio Pedro II e CAp (UFRJ).
Gostou? Quer receber mais textos como esse? Siga a gente aqui no Medium, deixe quantas palmas quiser e compartilhe nas suas redes sociais!
Instagram | Facebook
Quer publicar na Toró? Acesse nossas diretrizes e saiba como. Temos chamada aberta em fluxo contínuo para artistas de todo país.