Canções na rede, poemas de Henrique Nascimento

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Nácar

No córrego da rua
um pouco de milagre:
na água a carne crua
desliza quase álacre,

pois a água lhe insinua
que é possível que a aclare;
e, podre, a carne crua
nas pedras sonha o nácar

e ali esfrega o ventre.
Enquanto a água a engilha,
embranquecendo-a entre

o córrego, pra trás
deixa nacos em trilha
desintegrando dentro

dela, água, aguarrás.

Ouriço

Suéter que picasse
a pele de camurça;
no furo, o que não há
se lhe penetra a agulha;

se a grama pinicasse
ainda mais que a blusa
e toda farpa entrasse
como peixeira, incursa,

a canne-epée do poeta
também a tudo espeta,
e a caneta mais que isso:

dá zelo à ausência e rima
a dor quando sublima
dilema só de ouriço.

Marinha

As sombras me aniquilam
para que eu veja as brumas…
E a maré cheia lambe
a areia deixando espumas.

Antes que sejam nuvens,
as gotas se equilibram
no mar, nas suas vísceras,
pra se aprenderem plumas.

E, sem que eu veja, tu vens
submergindo fateixas
no alto branco das velas…

E em mim, manhã de nuvens
e marés, só me deixas
a lama das remelas.

Madrigal

Botão de primavera,
o vento te levava
a quem, por tua espera,
nenhuma flor amava.

Se Zéfiro, inconstante,
impusesse-lhe a espera,
Cupido, em sua aljava,
esconderia a flecha.

Amor que, de incessante,
não vê nada adiante,
botão de primavera:

pra ver tua chegada
do muro faz escada
a fixidez da hera.

Henrique Nascimento, 24, nasceu em Olinda, Pernambuco. Poeta e tradutor, colaborou com algumas revistas literárias como Mallarmargens, Piparote e Ruído Manifesto, e com o Jornal RelevO, de Curitiba. Seu primeiro livro, Pássaros na noite, está no prelo pela Editora Mondrongo.

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