Imagem retirada do Behance de Ana Miminoshvili — @anano__

Lua de Sangue, um conto de Andressa C. Monteiro

revista toró
toroeditorial
14 min readDec 4, 2020

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“Ao andar, me fiz terra e sol”, pensava Gaia ao sair de casa ainda de madrugada. Tinha resolvido dar umas voltas pelas ruas de seu condomínio para se distrair, pois havia acordado, assustada, de um pesadelo. No sonho, seus pés eram moldados pela argila do solo de um mar negro e profundo. Não conseguia nadar até a superfície em buscar de ar. Se debatia como um peixe assustado quando percebeu ter sido capturada por uma rede de pesca. Ao acordar, em um sobressalto e sem fôlego, olhou para a pele e notou marcas da rede em seu rosto — que na verdade eram marcas do crochê da almofada que havia dormido e que decorava o sofá. Morava sozinha em um condomínio de São Paulo, mas nascera em uma cidade litorânea. Desde pequena, sempre tratava de arranjar alguma forma de estar perto dos peixes. Era aficionada pelo mar. Sua mãe, uma vez correndo os dedos por um livro de mitologia esquecido em um sebo, leu o significado da palavra que viria a ser o nome de sua futura filha. “Gaia: mulher poderosa, que domina a terra. Possui grande força geradora”. Mal sabia que anos mais tarde ficaria grávida e daria o nome grego encontrado em um livro aleatório a sua filha-peixe, nascida em uma sexta-feira de chuva fina, quase invisível, mas forte o suficiente para dar boas-vindas à menina. Aos nove anos, Gaia ganhara de aniversário o seu primeiro peixe-beta. Era apaixonada pelo novo animal de estimação. Desejava ser como Alice, de Lewis Carroll, pequena o suficiente para entrar em todos os lugares, inclusive dentro do aquário de seu novo amigo para nadar junto a ele. De tanta afeição, acabou matando o peixinho com o excesso de comida que jogava na água para alimentá-lo. Gaia chorou mais do que qualquer aquário poderia aguentar. Soluçava ondas fortes. Depois de cinco semanas em um estado de tristeza profunda, levantou-se da cama e percebeu que sua primeira cicatriz no coração havia sido desenhada. Parte de sua doçura e inocência haviam sido fisgadas por um anzol pontiagudo que, ao rasgar a boca da menina, fazia um barulho tão fino a ponto de quase estourar os tímpanos de Gaia. Não era a primeira vez, vinte anos após a morte do peixe, que tinha pesadelos relacionados ao mar. O mesmo tipo de sonho se contava de diferentes formas. Certa vez, sonhou que pescava peixes grandes e os devorava vorazmente. Machucava sua garganta com os espinhos e cuspia sangue, que manchava as águas claras dos rios. Achava que ser pescadora era uma forma de punir a si mesma por ter deixado o amigo morrer. Por outro lado, quando estava cansada de tanto se castigar, sonhava que morava na praia, costurava redes de descanso, cuidava do seu barco de velejo e assistia aos peixes dançarem no mar. Não capturava nenhum animal, só brincava com eles. Tomava sol, sentia a pele bronzear, ria sem motivo. Nesse último pesadelo, despertou no meio da madrugada com sede, como, se ao acordar, toda água de seu corpo tivesse desaparecido junto com o que havia sonhado. Como morava em um condomínio fechado, conseguia andar pelas ruas com relativa segurança para se distrair de tudo o que sentia quando perdia o sono. “Ao andar, me fiz terra e sol”, pensava Gaia ao passar pelas casas de seus vizinhos. Todas as residências eram padronizadas, pintadas de um verde claro sem graça, sem forma, sem cor real de existência. Reparava distraidamente para uma delas quando, de modo repentino, viu uma forte luz cegar seus olhos. Quando recuperou a visão, notou que o clarão vinha de um carro que passava por ela cantando os pneus. “Nossa, que idiota!”, pensou a mulher ao arrumar o casaco que caíra dos ombros. Sentiu um arrepio nos braços. Dobrou a esquina de casa e teve dificuldades para encaixar a chave na fechadura, pois além de estar com frio, suas mãos tremiam por conta do susto que havia tomado. Entrou, tomou um chá quente e dormiu novamente. Algumas horas depois — e a poucos quilômetros da casa de Gaia-, o motorista do carro que a havia assustado começava a preparar seu café da manhã. Estava atrasado para a sua aula de “Estruturas e Propriedade de Compostos Orgânicos”. Odiava aquela matéria. Nessas horas, ficava pensando porque tinha escolhido fazer o curso de Química. A maioria das disciplinas eram chatas, os alunos muito novos e os materiais de laboratório caros demais. Sentia falta dos irmãos e de sua fazenda no interior de São Paulo. Sua família produzia e exportava azeite. Seus pais morreram quando era pequeno. Sentia falta especialmente da mãe, por ser mais parecido com ela. Era o mais tímido e sensível dos irmãos. Deu um trabalho danado ao nascer, pois era espaçoso demais, queria sair com folga. Quando saiu, percebeu que o mundo era muito maior do que a barriga da mãe. Por isso, andava dentro de si mesmo para tentar voltar a um lugar que antes era só seu. Durante a adolescência, acabou por desenvolver um tique ao estalar o pescoço para a esquerda quando se sentia tenso ou com medo — ato semelhante que uma espécie de sapo, chamada Wolverine, faz. Quando o animal se vê sob ameaça, expande o músculo do pescoço para fora da pele como se fosse uma garra. Tinha o cabelo claro, com luzes douradas, que apareciam somente ao sol do meio-dia. Seu rosto era arredondado, nariz protuberante, lábios e olhos grandes, porém seus braços e pernas eram longos e finos, como os de um lagarto. Após a morte dos pais, aprendeu a receita de bolo de milho da mãe e começou a prepará-la todos os dias de manhã, servida com chá de capim-limão gelado e café preto quente e coado no filtro de pano da avó. Todos acordavam às cinco da manhã com o barulho das faíscas da fornalha assando os bolos. Porém, Bernardo e Bartolomeu levantavam uma hora antes para preparar os bolos que eram vendidos para fazendas vizinhas. Com o dinheiro das vendas e do azeite, alugaram uma casa para Bernardo em São Paulo. Os cinco irmãos tinham os mesmos olhos verdes, desenvolvendo particulares na variação de tonalidades da cor. Enquanto Bruno, o segundo mais velho, tinha os olhos das florestas, matas e rios do Amazonas e São Francisco, Bento, o caçula, tinha os olhos da cor de um marciano: um verde escuro intenso, esbugalhados e desconfiados, sempre à procura de alguma explicação sobre o mundo e as coisas que dele faziam parte. Eram olhos curiosos e que pareciam absorver mais informações do que o seu cérebro conseguia processar. Benício, o terceiro mais velho, tinha os olhos cor de menta, que combinavam com os lábios de tonalidade cereja, tornando-o o irmão mais desejado entre as mulheres. Bernardo, o quarto dos cinco, herdou do pai olhos de um verde cinza-grisalho-desbotado, que de longe mal pareciam ser verdes, confundindo-se com a cor das crateras da lua. Bartolomeu, o mais velho, trazia em suas pupilas trevos de quatro-folhas que cresciam no meio da colheita de azeitonas. Dizem que as quatro folhas de um trevo representam o início de novos ciclos, como as quatro estações do ano, os quatro elementos da natureza ou as quatro fases da lua. Bernardo não tinha três irmãos para confirmar a teoria envolvendo o número quatro, mas decerto o número cinco simbolizava harmonia e equilíbrio entre a família. Isso porque Bernardo havia lido em um livro que o número cinco ocupava a posição do meio entre os números de 1 a 9. Além disso, os elementos yin (dois) e yang (três) somam como resultado cinco. O misticismo do número que rondava a vida do rapaz não acabava por aí. Como dito anteriormente, sempre preparava bolo de milho aos irmãos no café da manhã. E adorava comer milho de todas as formas possíveis: na espiga, no prato, cozido, duro, em creme, doce, salgado, feito até pelo diabo no inferno ou por um anjo no céu. Mal sabia que, na simbologia sagrada dos maias, o número cinco era representado pelo deus do milho. A origem da crença surgiu por associação ao número de dias que as sementes levavam para germinar após a plantação do alimento. Bernardo produzia com os irmãos uma bebida chamada Moonshine, ilícita para venda e feita à base de fermentação de milho. Talvez tivesse sido isso que o levara a cursar Química: descobrir um jeito de produzir a bebida legalmente. Quando passou voando por Gaia, com a luz alta do carro, estava voltando da fazenda com algumas caixas da bebida. Havia bebido um pouco, mas não estava bêbado, apenas um pouco sonolento. Por isso, estava com as luzes fortes, para poder enxergar melhor as ruas. Não imaginava que iria se deparar com uma mulher andando no meio da noite, sozinha, ao voltar para casa. Quando passou por ela, ficou com vontade de pedir desculpas, mas não teve coragem de abordá-la. Chegou em casa, dormiu por cerca de três horas e acordou todo amassado para ir à faculdade. Depois de ter tomado café, jogou a mochila no carro e saiu voando. Quando passou perto da casa de Gaia, viu a mulher saindo e a encarou de longe. Dessa vez, ela olhou diretamente para Bernardo e sentiu os olhos arderem. O tempo subitamente ficou mais quente e denso. Os dois afastaram seus olhares e logo cada um seguiu o próprio caminho. Durante duas semanas, Bernardo passava pela casa de Gaia para ver se conseguia encontrá-la “de surpresa”. Em alguns dias, obtinha sucesso; em outros, não. No último domingo da segunda semana, Gaia perguntou ao síndico do condomínio quem era o rapaz que dirigia um antigo Opala preto (o carro havia sido do pai de Bernardo). Pegou o endereço da rua onde ele morava e parou na frente da casa. Hesitou, respirou fundo, quase voltou com medo de ser mal recebida ou de Bernardo ser um psicopata sequestrador de mulheres. Retomou o controle de seus pensamentos e tocou a campainha. Quando abriu a porta, Bernardo a reconheceu imediatamente.

-Olá — disse Gaia.

-Oi — respondeu, seco, Bernardo.

- Escuta, eu vim aqui te perguntar se a sua mãe não te deu boa educação não… -indagou Gaia com uma voz firme. No entanto, suas pernas tremiam de nervosismo.

- Desculpa, o que você disse? — respondeu o homem na defensiva.

-Você está há dias rodeando a minha rua…

-Eu acho que a gente precisa de uma introdução formal, não? — respondeu Bernardo, desconfortável, passando a mão pelo pescoço, sem saber o que dizer.

-Sei. E qual seria a sua introdução ideal?

-Talvez tenha começado e a gente nem tenha se dado conta, né?

- Meu nome é Gaia. E o seu?

- Bernardo.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos e Gaia voltou a falar.

- Sabe… você me lembra um peixe que eu tinha quando era pequena. Tanto você quanto ele só sabiam me encarar com um olhar arregalado, de susto.

- Me desculpe pelo que aconteceu naquela noite. Eu deveria ter parado o carro para pedir desculpas. Fiquei sem graça e achei que seria ainda mais inconveniente se fosse falar com você do nada. Você não parecia estar com uma cara muito boa.

- Não estava. Eu entendo. Está desculpado.

-Que bom. Posso te pagar uma bebida pra me redimir?

- Uma bebida, é? — brincou Gaia, mesmo com receio de Bernardo achar que a insinuação sexual em relação ao seu convite era totalmente descabida e arrogante.

- Não! Não desse jeito. Desculpe se eu passei a impressão errada… Digo… É que eu faço Química e estou testando uma bebida que inventei com os meus irmãos…

- Ah, entendi, você quer me usar como cobaia? — riu Gaia novamente, mas dessa vez forçando uma risada despreocupada para tentar deixar o rapaz menos sem graça.

- Sim, é um pouco como se fosse cobaia mesmo. Mas prometo que a bebida não é tão ruim assim — disse o homem, reparando em como os músculos dos olhos de Gaia se contraiam quando ela ria.

- Tá certo. Que horas eu posso voltar?

- Lá pelas 20h?

- Marcado, então!

Gaia se despediu de Bernardo com um aceno, virou as costas e voltou para casa. Preparou um almoço leve: nada muito indigesto para não ficar ruim do estômago caso bebesse muito à noite — mas nada demasiadamente leve para não passar mal caso bebesse demais também. Depois de almoçar, lavou a louça, arrumou a cozinha, botou a roupa na máquina de lavar, subiu para o quarto e foi terminar um trabalho. Lá pelas 17h, resolveu tomar banho e começar a se aprontar. Não que considerasse um encontro ir a casa de Bernardo, mas também não queria ir de qualquer jeito. De todo modo, sempre gostava de ter tempo para lavar o cabelo com calma, se arrumar e escolher uma roupa bonita. Estava em dúvida se usava algo mais casual, como uma calça, ou mais sensual e arrumado, como um vestido. Como estava frio, resolveu colocar uma blusa de lã vermelha, com um jeans claro de cintura alta e coturnos nos pés. Prendeu o cabelo em um coque e passou um batom vermelho e rímel. Às 19h45, saiu de casa e, às 20h em ponto, tocou a campainha de Bernardo. Depois de três minutos, o rapaz abriu a porta e disse:

- Pontual como um galo cocoricando às 6 da manhã!

- Engraçadinho…

Gaia pediu licença e entrou na casa. Enquanto a mulher analisava minuciosamente os móveis e objetos da sala, Bernardo foi ao pequeno bar que ficava perto da cozinha e começou a preparar a Moonshine. Originalmente produzida nos Estados Unidos, a bebida era feita de milho macerado, com uma graduação alcoólica de 80%. O problema da ilegalidade da Moonshine é que ela não passa por um barril de envelhecimento e por processos que a livram de contaminação por chumbo e outros elementos tóxicos. Na época em que a bebida foi criada, a destilação era feita à noite, sob o brilho da luz da lua (o termo é traduzido como moonshine em inglês) para evitar que descobrissem quem a produzia. Bernardo estava trabalhando na ideia de criar um cantil barato o suficiente para limpar as impurezas da bebida e podê-la vender legalmente.

- Beba — disse Bernardo.

A mulher pegou o copo, deu um gole, e sentiu como se a bebida fizesse carinho em sua garganta. -Hummmmmmmmm, que delícia. Tem gosto de bolo de milho com licor.

Bernardo sentiu-se empolgado.

-Sim! Dá para sentir uma doçura e fragrância características do milho recém cozido, além de um sabor temperado com orvalho.

-Olha! Muito obrigada pela análise, senhor sommelier de milhos. Lembra um pouco o gosto de whisky — complementou Gaia após ter bebido outro gole.

-A Moonshine é basicamente igual a whisky. Só que mais barata, simples e fácil de fazer.

-Nossa, me deu um calor agora — reclamou Gaia ao se abanar.

- Ah, é a bebida. Quer ir lá fora tomar um ar?

Ao saírem, sentaram-se na frente da casa.

- Ontem, estava olhando para a lua antes de dormir e, de alguma forma, pressenti que ela me chamava. Notei que estava com uma cor avermelhada, como se estivesse com vergonha de dizer algo. Depois, pensei que ela poderia estar machucada por um embate com algum tipo de corpo celeste — comentou Gaia ao olhar para o chão para se deitar na grama.

Quando se ajeitou para conversar com Gaia, Bernardo a encarou e, no reflexo de seus olhos, viu uma lua sangrenta. Olhou para o céu assustado e observou que parte da lua era terra; outra sol. Mal sabiam os dois que estavam presenciando um fenômeno astronômico raro de um eclipse lunar em que o sol, a terra e o satélite permanecem em perfeito alinhamento. A cor avermelhada que Gaia percebera na noite anterior devia-se a uma relação entre a proximidade da lua com a atmosfera terrestre e os raios solares. Assim, o vermelho da terra e o amarelo do sol se misturavam ao cinza da lua, formando uma cor terrosa, intensa e opaca.

- É… parece que a lua está apaixonada — constatou Bernardo.

- Ou quem sabe, talvez, não esteja doente? — respondeu Gaia.

- Bom, pra falar a verdade, teoricamente, a lua está assim porque está passando por um eclipse durante um período chamado Superlua…

Bernardo já sabia que o fenômeno iria ocorrer naquela noite. Gostava muito de astronomia e havia lido uma notícia sobre o assunto no dia anterior. Mas resolveu guardar a informação para, no momento certo, dizer a Gaia e parecer sabichão. Não que isso tivesse surtido algum efeito positivo.

-Mas olha só, senhor cientista… — respondeu Gaia em tom debochado -Me explique, então, o que acontece quando a lua fica assim?

- Ah, nada demais, só o fim do mundo — respondeu Bernardo calmamente, mas dando uma risada baixinha.

- Como assim?

- Bom, existe uma teoria bíblica que diz que a lua sangrenta é um símbolo do dia do juízo final. Alguma coisa a ver com o sol se transformando em trevas e a lua em sangue. Deus voltaria bravo dos céus para acertar as contas com a gente. Outra teoria, essa de origem inca, acredita que a lua fica vermelha porque um jaguar a come. Tem uma outra que é de origem hindu. O eclipse acontece porque um demônio chamado Rahu bebe um elixir da imortalidade. Daí, a lua e o sol ficam bravos com isso e cortam a cabeça do Rahu. Mas como ele tinha tomado o tal do elixir, a cabeça dele permaneceu vivona e imortal. Pela minha interpretação, a lua de sangue é a cabeça dele ensanguentada. Tem outras teorias… deixa eu pegar o celular para abrir a matéria que eu li — disse Bernardo ao sair correndo para pegar o aparelho que havia ficado na sala.

- Pronto, aqui está a matéria — voltou totalmente esbaforido em menos de um minuto. — Olha só, dessa teoria você vai gostar. Tribos da Califórnia aparentemente também acham que a lua está ferida ou doente. Mas, depois do eclipse, ela pode ser curada por meio de cantorias — disse lendo depressa e, vez ou outra, atropelando as vogais das palavras do texto.

Gaia, por um instante, fechou os olhos e ficou se imaginando com Bernardo dentro de um barco, olhando as estrelas, enquanto o homem contava histórias sobre o mar. Poderia ficar horas e horas escutando-o ler em voz alta.

- Hahaha, gostei dessa — respondeu Gaia -, já é minha teoria favorita. Nem precisa mais falar sobre as outras.

- A expressão “lua de sangue” veio de um livro. Existiu uma profecia apocalíptica que aconteceu durante quatro eclipses lunares no período de 2014 a 2015. Esses quatro eclipses caíam em quatro feriados judaicos. E isso aconteceu só três vezes durante toda a história do mundo. Todos esses feriados só acarretavam em acontecimentos estranhos. Engraçado… meus irmãos iriam gostar dessa teoria. Eles adoram histórias envolvendo números e presságios.

- Bom, independente da teoria, é muito lindo olhar para essa lua toda pintada de vermelho. Mexe com as nossas sensações.

- Nem fala… — complementou Bernardo.

A mulher levantou da grama, bebeu mais um gole da bebida e entrou na casa. Bernardo foi atrás dela. Ambos subiram as escadas. Tomaram cuidado, evitando cada possibilidade de cortar os joelhos caso caíssem na quina de algum dos degraus. Quase caíram. E riram. Os joelhos estavam ruborizados, assim como as bochechas de ambos — embriagados pela bebida e pela lua que acabara por dar um beijo de boa noite no rosto do casal. Deram-se uma bronca irônica, seguida de um vitimismo etílico, enquanto Gaia levantou o dedo indicador direito, e direto à boca, sussurrando um leve “Shiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuu…” em um gesto automático que adolescentes fazem quando chegam bêbados em casa e não querem acordar os pais. O caminho do corredor até o quarto era rápido. Mas Gaia insistia em demorar a chegar. Viu Bernardo entrar primeiro, sem acender a luz do quarto. Fantasiou que, quando chegasse, o rapaz ligaria o abajur, deitado na cama e diria: “Por quê demorou tanto? Vem dormir!”. Gaia riu. E foi. Ao deitar-se no escuro, sentiu uma vontade de dormir gostosa e profunda. Começou a sonhar que nadava junto a um peixe-pargo-vermelho, parecido com seu amigo de infância, em um mar repleto de madrepérolas e pedras da lua. “Ao andar, me fiz terra e sol”, cantava agora, no sonho, ao encerrar um dia contente, cálido e enérgico. Nadando em uma água límpida e fresca, percebeu que sua pele havia se transformado em escamas esverdeadas, com manchas vermelhas e pintas acinzentadas.

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