“O duplo refletido”, livro de estreia de Lorraine Ramos Assis

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3 min readApr 19, 2023

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Livro de estreia da poeta, crítica literária e editora carioca Lorraine Ramos Assis , O duplo refletido (Folhas de Relva Edições, 135 pág.) usa a hibridez entre a prosa e a poesia para tratar de temas relacionados com memória, violência machista e luto familiar, sob a perspectiva da saúde mental. A obra já está em pré-venda no site da editora. Publicada pela Folhas de Relva Edições, a obra conta com orelha de Mar Becker, blurb de Paulliny Tort, prefácio de Luizza Milczanowski e posfácio de Priscila Branco. Com paratextos assinados por quatro escritoras diferentes, esse livro, já tão polifônico pela evocação do duplo desde o título, torna-se um multiplicador de vozes de mulheres também nesse aspecto.

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Vejamos alguns trechos do livro:

1

No Brasil, século dezenove, discutiam sobre a mulher gozar dos mesmos direitos da herança no decreto 181. Obstáculos não mais existiam, mas sim uma arquitetura de um mesmo sobrenome a desfrutar os direitos dos filhos. Não importava a decisão profissional de nossos companheiros, ou a educação dada a quem foi parido nesses mares. Na França, os obstáculos eram garantidos pela confiança na organização hierárquica com barras. Barras memoram prisões.

Quero sair desse cômodo e nunca mais voltar. Olhar para a face fluvial do mirante azul, a que reconheço desde os afogamentos. Entoar o que me tornaram e falar a língua daqueles a terem me conferido induções dramáticas. Sempre gostei ou melhor, me forcei a ser o palco. E no palco exprime-se imagem e essência, confundindo o telespectador como coautor
dos malabarismos linguísticos. E assim fujo.

Polida: se minha fala está feita de extravagâncias, conjuntas às maiores obsessões, na vida sou um silêncio para quem a face é demolida tal qual um imóvel ou um espólio de antigos
maridos.

2

Onde eu estava?
Eu não me lembro.
eles fatigam meu nome, mas não me lembro.
Lili.
Parei. Pensei na própria regata preta e no canal revisitado perto da lanchonete.
As vias estavam obstruídas, não havia mais caminho a ser percorrido.
Lili.
Lineia.

Era esse o meu nome?

Flor de tulipa rasgada, libero o pó para que saiba
Ainda vivo
Mesmo não sabendo onde
Amnésica
Caminho sem mais mastigar a barbárie
Recordo-me a perpétua luz projetora do futuro daquele que me disse

Somos todos sonhadores. Mas quem está sonhando?

3

sentindo o ar preso em corpo de perpétua fuga
consegui fisgar um semblante de madeixas pretas nariz adunco
o olhar a que chamavam

a doçura enigmática fora do escudo marmorizado

contudo a garota (ou qualquer coisa a ser) contornava tanto os seus gestos que as madeixas por desespero foram cortadas uma a uma e essa pessoa de tanto assinar e esconder o último sobrenome daquele homem sentia não existir mais

se ela não sentia nada desde tenra idade

quem era eu, afinal?

Lineia
Ou
Lyna?

Lorraine Ramos Assis (@catarsesoculares), de 26 anos, é poeta, resenhista e editora. Foi publicada em diversas revistas/jornais nacionais e estrangeiros, tais como Jornal Cândido, Cult revista, Relevo, Granuja (México) e Incomunidade (Portugal). Colabora para São Paulo Review e Revista Caliban, além de integrar o corpo de poetas do portal Fazia Poesia. Pesquisa sobre a marginalização feminina em obras ficcionais/biográficas. O duplo refletido (Folhas de Relva) é seu livro de estreia.

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