Retirada do Behance de David Falter — @cincinnatian

"O poema é cesariana no tempo exato do médico", a poesia de Felipe Vital

revista toró
toroeditorial
Published in
3 min readMay 22, 2020

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O arquiteto
A Pedro Paulo Ferreira Bahia

Acima do rigor das formas,
da norma que os números estima,
lima a ideia e a conforma,
Transforma a luz que a vista vitima.

Inclina-se sobre a palavra, orna
e adorna tudo quanto a mente atina.
Declina no papel onde se entorna:
contorna os traços enquanto os determina.

Assume por trabalho o ensejo
E, benfazejo, vai da base ao cume.
Presume a geometria no cotejo
que o manejo com álgebra resume.

Entende como isso é poesia
e guia o gênio, que logo se estende.
Aprende como a forma é fria,
alia sangue e suor naquilo que pretende.

O objeto, quando dado, simboliza,
relativiza o abstrato no concreto.
quieto, então, ele contempla e se realiza
e prioriza, sobretudo, o ângulo reto.

Recôncavo

“(Já a distância sobre seus vidros
Passou outra mão de verniz:
Ainda enxergo o homem,
Não mais sua cicatriz.)”
(João C.M. Neto — De um avião)

A Antonio Bispo Ferreira Neto

Parte Alta

Do alto de Cabo Frio,
A história se talha do fundo
Da história das formas geométricas
Que dão sentido à cidade.

Paisagens modernas revestem,
Do alto, quilombos passados.
E o mar, como cifra ou calunga
Repousa em lagos, arraiais.

Constante de trás da gaveta
Do armário da guanabara,
Foi, em sua idade mais tenra,
Tutelada pela Bahia.

A nossa senhora, do alto,
Quem guia seus filhos passantes.
Eu vejo silhuetas perfeitas
E poetizo o restante.

De longe, do alto, imagino,
Supondo, com luz de vidência,
Que o carro que passa é órfão
De memória da fabricação

E, por mais perfeitos tintura,
Forma, polimento e tamanho,
Pelo que, em superfície, resguarda
Esconde os espaços de dentro.

Parte baixa

No baixo de Cabo Frio,
O guardado se revela.
Subjacente à janela
Do carro, dois olhos florescem.

E a paisagem se vive no extenso
Da medição pelos passos
Cosendo retalhos da história
Em superfície de pele.

O poema é cesariana
No tempo exato do médico
Que engendra o corte e recorta
Até a luz se mostrar

A luz da pele da história
Resplandecente em matéria,
Matéria de concreto armado
Em luta de classe e de cor.

Em Cabo Frio, por baixo,
A culpa é o gatilho da crença
E o homem não vale por dentro,
Mas por como é seu estado.

No Chão de Cabo Frio,
A história é um porão descuidado,
É camada de solo pisado
Asfixiando o cimento em questão.

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