"O poema é cesariana no tempo exato do médico", a poesia de Felipe Vital
O arquiteto
A Pedro Paulo Ferreira Bahia
Acima do rigor das formas,
da norma que os números estima,
lima a ideia e a conforma,
Transforma a luz que a vista vitima.
Inclina-se sobre a palavra, orna
e adorna tudo quanto a mente atina.
Declina no papel onde se entorna:
contorna os traços enquanto os determina.
Assume por trabalho o ensejo
E, benfazejo, vai da base ao cume.
Presume a geometria no cotejo
que o manejo com álgebra resume.
Entende como isso é poesia
e guia o gênio, que logo se estende.
Aprende como a forma é fria,
alia sangue e suor naquilo que pretende.
O objeto, quando dado, simboliza,
relativiza o abstrato no concreto.
quieto, então, ele contempla e se realiza
e prioriza, sobretudo, o ângulo reto.
Recôncavo
“(Já a distância sobre seus vidros
Passou outra mão de verniz:
Ainda enxergo o homem,
Não mais sua cicatriz.)”
(João C.M. Neto — De um avião)
A Antonio Bispo Ferreira Neto
Parte Alta
Do alto de Cabo Frio,
A história se talha do fundo
Da história das formas geométricas
Que dão sentido à cidade.
Paisagens modernas revestem,
Do alto, quilombos passados.
E o mar, como cifra ou calunga
Repousa em lagos, arraiais.
Constante de trás da gaveta
Do armário da guanabara,
Foi, em sua idade mais tenra,
Tutelada pela Bahia.
A nossa senhora, do alto,
Quem guia seus filhos passantes.
Eu vejo silhuetas perfeitas
E poetizo o restante.
De longe, do alto, imagino,
Supondo, com luz de vidência,
Que o carro que passa é órfão
De memória da fabricação
E, por mais perfeitos tintura,
Forma, polimento e tamanho,
Pelo que, em superfície, resguarda
Esconde os espaços de dentro.
Parte baixa
No baixo de Cabo Frio,
O guardado se revela.
Subjacente à janela
Do carro, dois olhos florescem.
E a paisagem se vive no extenso
Da medição pelos passos
Cosendo retalhos da história
Em superfície de pele.
O poema é cesariana
No tempo exato do médico
Que engendra o corte e recorta
Até a luz se mostrar
A luz da pele da história
Resplandecente em matéria,
Matéria de concreto armado
Em luta de classe e de cor.
Em Cabo Frio, por baixo,
A culpa é o gatilho da crença
E o homem não vale por dentro,
Mas por como é seu estado.
No Chão de Cabo Frio,
A história é um porão descuidado,
É camada de solo pisado
Asfixiando o cimento em questão.
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