“Sou um bicho melancólico demais pra fumar acompanhado”, três poemas de Caroline Diniz

revista toró
toroeditorial
Published in
2 min readJan 27, 2021

--

Bicho

Sou um bicho melancólico demais pra fumar acompanhado.
Já me custa tanto sorrir-lhe à mesa do café sabendo que o dia seguirá automático.
E, nessa solidão desenfreada, o que me consola no ônibus lotado é justamente cheiro de sovaco.
O que ainda não se diagnosticou é que falo pelo cotovelo e meu sentimento é todo calado.
E, pelas velhas lentes arranhadas desse óculos, eu comunico o meu desatino pelas cordas do cavaco.
Ah! Não há palavra que designe o ser-se de um bicho do mato.

Transa

Aberta no ato
desta unidade marginal,
vadio pela moral.

Estou a transar
em tuas nuances
à procura de mim.

Agridoce Beco

Aquieta os pés!
Que a vizinha já avisou
a faca correndo solta pelo beco.
Logo depois, de murmurar suplicando uma noite atrás:
“Para, Sílvio!”, gritava sem parar, certamente já estava a sangrar.
Mais um alvorecer
grudada às paredes mofadas, calo e temo.
É o que resta depois de lavar as roupas, no tanque, de segunda a sábado, jogadas.

É pedrada que chega que nem vento,
pega o prato e o vidro, já é tua hora de almoço, já o meu jeito é consertar o muro de cimento.
No sul do sul, as visitas chegam com medo
de voltar sem o seu contado dinheiro.

Agridoce domingo,
em que espera o fim de tarde
pro pai ir pro bar buscar cigarro e voltar com chiclete,
na incerteza dessa volta, quem sabe haja encontro com a fria gilete.
“A polícia bem ali na altura da firma de metalurgia”, o rádio a anunciar.
Dessa vez, a mãe fica só com o café.
Aquieta o pé, porque nordestino, nesta terra, tende a se lascar.

Quer acompanhar o trabalho de Caroline Diniz?
Instagram | Medium

Gostou? Quer receber mais textos como esse? Siga a gente aqui no Medium, deixe quantas palmas quiser e compartilhe nas suas redes sociais!
Instagram | Facebook

Quer publicar na Toró? Acesse nossas diretrizes e saiba como. Temos chamada aberta em fluxo contínuo para artistas de todo país.

--

--