Tudo que dói em mim, um relato de Evana Regina Romão

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3 min readSep 23, 2021

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Eu vou contar como se sente alguém que perdeu uma pessoa que amava e viu seu chão ruir na sua frente. Vou falar de uma amiga querida! A pandemia levou mais uma mulher negra, trabalhadora, e de luta. Mãe, tia, filha e amigona de todos, trabalhou no comércio por muitos anos até chegar a ficar doente. Teve que batalhar muito por seu filho, que criou sozinha, como várias mulheres guerreiras. Era moradora da Camarista Méier.

Eu a conheci numa loja em 2011, sempre carinhosa, cuidando de todos. Justa, fiel e honrada, conseguiu ser promovida por seu empenho e compromisso. Numa típica quarta-feira, decidi passar em seu trabalho. Nós nos abraçamos, mas a correria da exploração do trabalho no terceiro setor — sem pausas — não nos deixou ir almoçar juntas, como fizemos tantas vezes, antes dessa doença horrível que a matou de forma brutal e veloz.

Hoje, sinto uma grande dor como devem estar sentindo as 470.000 pessoas que perderam alguém que amavam e queriam ver vivas para realizarem seus sonhos, pois ela, com 46 anos, tinha muitas histórias para contar e muita vida pela frente. Eu me sinto impotente e com medo de que cheguem mais notícias de morte. Perdi duas tias idosas, uma amiga e, agora, a Andrea dos Santos. Minha dor também é imaginar seu filho e sua agonia, suas sobrinhas que estavam sob os seus cuidados.

Tristeza! Minha alma dói. Tudo que posso pensar é que esse governo é o culpado, pois poderia já ter vacinado a população e evitado muitas mortes. Esse Estado genocida e racista, que não se preocupa com os pobres e faz as desigualdades aumentarem. Durante a pandemia, esses problemas ficaram ainda mais acentuados. É doloroso e cruel dormir e saber que, no dia seguinte, terei dois enterros para ir, quase na mesma hora. Foi o que me ocorreu. Ainda me revolta saber que serão só estatísticas de uma política jornalística sensacionalista que divulga números de mortos sem pensar que são pessoas que perderam seus sonhos e objetivos de vida para uma doença maldita.

A minha dor, o meu luto, não vai passar enquanto pessoas morrerem por Covid-19. Minha amiga foi uma vítima. Tinha várias comorbidades, mas sei que poderia estar aqui. Eu luto para que todos se vacinem logo e que parem as mortes! Eu quero que essa nossa sociedade, assustada e destruída emocional e psicologicamente, pare de pagar por um desgoverno e suas implicações o para futuro. Fora, Bolsonaro assassino!

Ainda me sinto perplexa: como policiais puderam matar uma mulher grávida de 25 anos? É o caso da Kathlen Romeu — moradora de favela—, mais uma morte descabida e covarde desse Estado que possui uma necropolítica que não mata só com a Covid-19, mas também à bala? É eugenia toda forma de exterminar negros, pobres, e qualquer um que não se enquadre nos padrões da branquitude heteronormativa. Porém, não vamos nos render! Se eles querem que sejamos vítimas, nós seremos resistência, ficando vivos!

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Evana Regina Romão tem 41 anos, é natural do Rio de Janeiro e moradora da Mangueira. Estudou no Colégio Pedro II do C.A até à conclusão do Ensino Médio. Hoje, é discente da Escola de Serviço Social da UERJ e membro gestor da Adep Mangueira.

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