Com palavras também fazemos design
Confundimos a experiência do usuário com o design gráfico. É muito mais do que isso, mas… O que é?
Este texto foi publicado originalmente em espanhol. A tradução foi autorizada pela autora Sol Parnofiello. ¡Gracias, Sol!
Fazer design
Vamos brincar um pouco. Vamos imaginar que, em uma mesma noite de sábado, tenho o aniversário de dois amigos da faculdade, um amigo e uma amiga.
A princípio, tenho um problema: a menos que eu trabalhe com ferramentas de clonagem, não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Preciso, então, buscar uma solução. Me vem à mente, num primeiro momento:
- Ir ao aniversário da minha amiga.
- Ir ao aniversário do meu amigo.
- Ir primeiro ao aniversário da minha amiga e, depois, ao do meu amigo.
- Ir primeiro ao aniversário do meu amigo e, depois, ao da minha amiga.
- Não ir a festa nenhuma.
Agora, bem, a solução vai depender, na verdade, de um montão de fatores. Esses meus dois amigos são igualmente próximos a mim? As festas são perto o suficiente uma da outra para que eu possa ir às duas, ficando um pouco em uma e depois na outra? Tenho outro compromisso no sábado? Estarei muito cansada?
E o que acontece se eles forem, entre si, amigos da faculdade? Provavelmente o círculo de amizades deles vai ser mais ou menos o mesmo. Provavelmente, também, tem um montão de pessoas na minha situação. Passou pela minha cabeça perguntar sobre isso a eles?
Vamos supor que eu faça isso e muitos convidados me digam que estão na mesma situação. O problema, que antes era meu, agora é de várias pessoas. Criamos um grupo de WhatsApp com todos (ah, não) e chegamos à conclusão de que seria mais divertido comemorar os dois aniversários no mesmo bar (na faculdade de Sociais a gente adora as comemorações cheias de gente)!
O que a gente acabou de fazer é experiência do usuário. Vocês viram alguma cor?
Antecipar uma prática
A primeira escola que formalizou a experiência de usuário foi a Bauhaus. Em um contexto de pós-guerra, em 1919, e já com todos os resultados da produção em massa, o que a Bauhaus fez foi misturar artes com ofícios para encontrar soluções funcionais para as situações da vida cotidiana: desde o design de uma cadeira até a criação de uma casa.
O fantástico da Bauhaus é que a escola começou a pensar no design como a antecipação de uma prática. É dizer: reduzir ao mínimo a distância entre as condições de recepção de um produto (o uso) e as de produção (a instância criativa). Por isso mesmo a função pôde se anteceder à forma.
Design, então, é algo que todos nós fazemos quando queremos saber como algo é recebido: pode ser com palavras, com elementos visuais ou com materiais concretos. O importante é que antes de materializar a obra (ir ao aniversário no mesmo bar), houve um processo de projeção (o que acontece se…?) que implicou entender o que queríamos fazer e, em especial, por que estávamos fazendo. Fazer design é decidir como resolver algo que funcione.
Saber escutar
Grande parte do trabalho de um UX Writer depende de saber escutar. Não é por acaso que os melhores escritores (independentemente do que escrevam) sejam pessoas caladas. Escutar poupa o caminho, grande e entediante, que outros já caminharam.
A outra grande chave dessa disciplina é perguntar com a inocência de um recém-chegado: por quê?
Uma tarde, quando apenas começava a carreira como jornalista no Clarín, Adri, uma secretária que já se aposentou e que tinha a sabedoria de ter coberto até a Guerra das Malvinas, me deu um baita conselho: “você pode escrever a melhor nota do mundo, mas se a foto for ruim, nem sua tia vai ler”. E enquanto me dizia, escreveu uma crônica de 3000 caracteres de uma vez, que eu, nos meus 21, teria levado quatro horas para escrever. Agora escrevo nessa velocidade. Agora tenho habilidade com estruturas. Agora sei que o melhor que te pode acontecer como jornalista é que o seu fotógrafo esteja na mesma vibe que você. Que você o respeite, que ele ou ela te respeite. E que possa se construir algo sólido.
Isso é no jornalismo.
Mas se aplica a qualquer campo em que duas disciplinas se cruzam. Aplica-se à vida.
Teu, meu, nosso: fazer produto
Fora do universo da tecnologia, pouquíssimas pessoas sabem o que é experiência de usuário. E, dessas, apenas poucas trabalharam com designers de produto que não são designers gráficos.
Querido UX Writer (ou escritores/as de produto e serviços digitais, como eu prefiro chamá-los): você vai ter uma tarefa grande. Vai ter que explicar à exaustão que não é porque a maior parte da população escreve que todo mundo sabe escrever. Vai ter que demonstrar que escrever também é fazer design, porque design é sobre antecipar uma prática. Você vai rogar por Foucault para que o próximo designer que apareça no seu caminho não sinta que você está invadindo o campo dele, mas sim fortalecendo-o. E você vai conseguir. Porque um dia alguém vai tocar no seu ombro para que você “dê as costas” para isso, porque não vale a pena. E depois serão duas pessoas. Ou três. Ou cem. Até você cruzar com um chefe que já saiba disso e, aí sim, vai ser outra história.
Algum dia você vai encontrar um designer como os que eu encontrei, que vão saber, logo de cara, que escrever é fazer produto. Que “alguém que morreu” não é a mesma coisa que “alguém que está morrendo”. Que um termo mal interpretado pode fazer uma empresa perder milhões de dólares. E que definitivamente, se não há tempo para testar com usuários, a melhor hipótese é a sua, se vamos escolher termos a torto e a direito, ao menos você vai acumulando anos de experiência, cara, até parece, como diriam os espanhóis. E não precisa que você fique explicando tudo.
Aos designers gráficos, com amor
Tenham paciência. Se você é designer gráfico e está lendo isso, tenha paciência. Não fique com raiva: não é pessoal. Seu UX Writer não é chato, nem se mete em uma reunião que não deve, nem nada: está fazendo o trabalho dele. É tão absolutamente capaz de fazer experiência do usuário quanto você. Faz design tanto quanto você, que usa linhas e cores, mas ele ou ela usa palavras. Precisa entender e falar com os responsáveis de produto tanto quanto você. Ele é pago para isso! Você se surpreenderia com a quantidade de coisas que aprendeu da sua área para poder falar “na sua língua”. Tomem um café. Pergunte o que ele faz, porque ele ou ela “faz UX”. Peça que faça uma oficina. Lute pela sinergia. Fuja das reclamações, diminua o conflito (e à fofoca barata, acrescente o seguinte: TI é um campo de poder, logo, de discussões que surgem do nada. A vida é curta, gente, e é sobre outras coisas).
Afie sua assertividade para se colocar no lugar do outro (e para ver se você mesmo não está caindo nessa, somos humanos, todos): é pessoal? É ego? Estamos defendendo o usuário ou defendendo as ideias só porque são nossas (esse viés cognitivo tão insuportável)? Procure saber como é a dinâmica de trabalho nas grandes empresas (você vai ver que são fluidas e ninguém se ofende tão rápido. Trabalhem em conjunto. Com intensidade. Mas sem intensidades. Os usuários agradecem. Isso, nada mais que isso, é o trabalho dos UX designers, independentemente da linguagem que usam para comunicar.
Original: Sol Parnofiello
Tradução: Marina Meireles
Revisão: Gisele Rosati
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