stages of monastic practice | Centre of gravity

Desapego é intimidade

Meditar, se espiritualizar, ou praticar qualquer forma de desapego é, na verdade, se envolver melhor com a vida real — e de corpo inteiro.

Bruno Fiorelli
Contando e Traduzindo o Melhor
3 min readAug 27, 2013

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(esse texto é uma tradução livre do vídeo The heart of non-attachment, de Michael Stone)

O mais importante da prática espiritual de nossos dias é estarmos totalmente engajados com as nossas vidas.

O mundo, o trabalho, os problemas em geral não estão nem aí se você está espiritualizado ou não. Para eles, só é importante se você está desperto para as suas experiências no presente.
Se você está desperto para a sua ação no mundo, e para os efeitos das suas ações.

E uma das ideias mais utilizadas na prática espiritual que é muito mal interpretada, é a ideia de desapego.

Muitas vezes as pessoas ouvem desapego e pensam em algo parecido com desassociação, algo como “eu não vou mais me apegar às coisas como elas estão”, “nada me afeta”… E que, desapegado, você sai andando por aí como um zumbi.

De certa maneira, eu mesmo corri atrás da prática espiritual em uma época de muita turbulência emocional em minha vida. E eu pensei que essa prática — e a meditação, mais especificamente — seria uma maneira de escapar dos sentimentos.

Mas, na realidade, as coisas não funcionam assim: o desapego não quer dizer, simplesmente, estar desapegado da sua bicicleta, ou do seu apartamento, ou da sua conta bancária.

Desapego significa não se agarrar a ideias fixas. Não se agarrar às suas ideias de como as coisas deveriam ser.

Abrir-se de verdade, para as coisas como elas realmente são.

Então, eu traduziria desapego como compromisso, conexão. Como uma intimidade profunda, que permite ver como tudo se desdobra em todo o resto. Que permite acordar para a interconexão inerente entre todas as coisas. Mas, fazendo isso de um jeito desapegado.

Ou seja, não se abrir para a interconectividade de todas as coisas, e então parar pra dizer: “oh, essa é a interconectividade de todas as coisas”. Porque é exatamente aí que você se perde dela.

Mas como nos tornamos íntimos com o jeito que as coisas são por debaixo da linguagem? Por debaixo dos nossos conceitos, e de como nós pensamos que as coisas deveriam ser? Porque essa sim é a alma do desapego: é um tipo de envolvimento profundo.

Essa noção de desapego vem de “yoga”, um termo sânscrito. E da sua raiz “yug”, que significa “unir”.

Mas, tirado da forma verbal, a palavra yoga significa união. E eu, particularmente, gosto de traduzir yoga como intimidade, porque yoga não é uma ação, não é algo que você faz.

Do mesmo jeito, não dá para fazer intimidade. Porque essa intimidade é uma consequência, que vem de você desistir das visões fixas e endurecidas de como são as coisas.

Nossa rigidez mental é a verdadeira inimiga da intimidade, é o que realmente destrói relacionamentos.

Por estarmos vivendo em uma época em que não precisamos de mais nenhuma ideologia ou filosofia, o que nós precisamos mesmo é de uma maneira de soltarmos, de nos entregarmos para a verdade de como realmente são as coisas.
Economicamente, emocionalmente, ecologicamente, socialmente…

E isso inclui o que é belo, mas também o que é devastador.

Isso significa se abrir à realidade de que esse mundo é maravilhoso e, ao mesmo tempo, uma catástrofe total — e abarcar ambos. Abrir-se às alegrias de se estar vivo, mas também ao sofrimento que é inerente a estar num corpo.

Estar num corpo que está envelhecendo, e estar num mundo, nesse momento, que poderia contar nossa ajuda.

Então, eu acho que nós precisamos reimaginar essa ideia de desapego como uma prática de não se agarrar a ideias fixas, para que nós possamos estar profundamente envolvidos com o mundo.

Afinal, nós não somos nossas ideias: nós somos o mundo. Nossas ações fazem sim a diferença.

Nós podemos repensar a nossa prática espiritual para que não seja sobre transcendermos, sobre nos dissociarmos.

Para que seja sobre nos iluminarmos, sim; mas não imaginando a nós mesmos como testemunhas de nossas vidas.

Para nos libertarmos de nossos próprios conceitos e estarmos, de verdade, totalmente imersos na vida.

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