As empresas de TI querem contratar mulheres mas não conseguem. Como faz?

Silvia Coelho
Training Center
Published in
5 min readJun 2, 2018

Eu não sou especialista em recrutamento e seleção mas vejo um certo impasse nesse movimento de incluir mais mulheres nas empresas de TI: há vagas mas não são preenchidas. A conta não fecha! Como faz? Eu sendo engenheira e apaixonada por matemática, quero muito resolver essa equação. Para chegar na solução, é preciso analisar o problema, levantar dados, identificar variáveis, equacionar e resolver o desafio. Vamos lá!

Sou fundadora e administro a comunidade Elas Programam, hoje com mais de 1600 mulheres. Acompanho o dia-a-dia daquelas que querem ingressar na área. Muitas são iniciantes, migrando de área, recém-formadas ou ainda estudando e/ou buscando estágio (eu poderia trazer estatísticas mas preferi não colocar mais um formulário na rotina delas já que preencher cadastro de vagas é uma tarefa corriqueira). A realidade é que as empresas divulgam vagas, mas os currículos não chegam ou não são selecionados. Existem tantas variáveis aqui. Vamos por partes.

Por que será que os currículos não chegam?

A dura realidade é que uma das razões se deve ao fato de que mulheres “desapareceram” dos cursos de computação. Na década de 1970, cerca de 70% dos alunos do curso de Ciências da Computação, no Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, eram mulheres; hoje, 15%. Nos últimos cinco anos, apenas 9% dos alunos formados no curso de Ciências de Computação do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos eram mulheres; no Bacharelado em Sistemas de Informação, foram 10% e em Engenharia de Computação, 6%. E nem vou entrar no debate infeliz de que mulheres não se interessam por tecnologia. Fomos pioneiras nessa área e isso pra mim encerra a discussão!

Além disso, foi resultado de uma pesquisa que homens se candidatam a uma vaga quando cumprem apenas 60% dos requisitos e mulheres mandam CV quando preenchem 100%. Não fui eu que inventei isso. Tá aqui ó:

Agora levanto algumas dúvidas: será que os currículos não chegam por que o anúncio da vaga não atrai as mulheres?
As fotos do anúncio, a comunicação usada sempre no masculino não causa rejeição por parte das mulheres? A avaliação das empresas quanto a ser um ambiente saudável para as mulheres também é um fator a ser considerado aqui. Sabemos que em um espaço majoritariamente masculino, pode ser algo normal piadas, comentários e comportamentos de determinada natureza. O que é “normal” para alguns caracteriza um ambiente de trabalho tóxico e hostil para outras pessoas.

Conclusão da parte 1 do problema: os currículos das mulheres não chegam nas empresas porque além de serem minoria nos cursos de computação as candidatas não enviam a menos que cumpram 100% dos requisitos das vagas — o que faz muita gente questionar tanta exigência que até se brinca que as empresas querem estagiário(a) nível sênior com MBA em Harvard e poliglota. A gente ri mas quer mesmo é chorar! E pode ser que os currículos também não chegam porque o anúncio da vaga não desperta o interesse das mulheres ou que a cultura da empresa ainda precisa se adequar à proposta de inclusão.

Você aí pode estar se questionando: “Ué porque as mulheres não fazem o mesmo que os homens e mandam currículo mesmo cumprindo apenas 60% dos requisitos?”. Pois é. Eu gostaria que fosse tão simples. Mas nós fomos condicionadas a sermos perfeitas, a não nos arriscarmos e ter medo do fracasso. Homens quando erram, culpam as circunstâncias e mulheres culpam a si mesmas. Infelizmente, é assim que a banda toca. Enquanto não mudarmos a forma como criamos nossas meninas nada vai mudar.

Reshma Saujani, fundadora da Girls Who Code, assumiu a tarefa de educar as jovens para assumir riscos e aprender a programar, duas habilidades de que elas precisam para fazer a sociedade avançar. Reshma, no TED abaixo, aponta que meninas são criadas para serem perfeitas e meninos para serem corajosos e nos dá a fórmula mágica:

“Precisamos criar as meninas para ficarem mais confortáveis com a imperfeição e tem que ser agora. Temos que ensiná-las a serem corajosas na escola e no início de suas carreiras quando há maior potencial de impactar suas vidas e das outras pessoas. Temos que mostrar para elas que serão amadas e aceitas por serem corajosas e não perfeitas.”

A solução para a futura geração já temos. O trabalho é árduo, já tem gente se movimentando mas ainda precisamos muito evoluir enquanto sociedade. Mas enquanto isso, quero resolver a questão sobre aumentar o número de mulheres nas empresas de tecnologia.

Já falamos sobre o porquê de os currículos das mulheres não chegarem nas empresas. Mas o que dizer daqueles que são enviados e não são selecionados? O que acontece? É a parte 2 do problema. Vamos lá.

A maioria das empresas busca mulheres prontas para contratar

Altamente qualificadas, conhecimentos em várias tecnologias (inclua aqui aquela sopa de letrinhas maiúsculas de TI), com experiência no mercado, inglês fluente (Hello! No Brasil, menos de 3% da população tem esse nível aí de inglês), com graduação, certificação, etc e tal. Até pra cargo de estágio, as exigências são altas. Já vi processo seletivo com tantas fases que parece que estão em busca de CEO.

Conclusão (óbvia) da parte 2 do problema: os currículos de mulheres não são selecionados porque não preenchem as exigências das vagas. A busca por mulheres “prontas” é em vão: elas já estão trabalhando!

E tem mais: mulheres iniciantes na área ou em transição de carreira estão buscando uma oportunidade. É nessas mulheres que as empresas de tecnologia preocupadas em igualdade de gênero deveriam concentrar seus esforços!

Agora é hora de propor possíveis soluções para as empresas que querem contribuir para a sociedade nas questões de igualdade de gênero, diversidade e inclusão. É precisa ir além do debate: promovam transformação de dentro para fora. As empresas precisam assumir seu papel de protagonista dessa mudança de cultura! E isso vale não apenas para as grandes do setor. Querem um incentivo: diversidade cultural, étnica e de gênero se traduz em mais lucros.

Empresas, por favor, revejam a forma como recrutam mulheres.

Será que a comunicação nos anúncios de vagas não deveria ser mais inclusiva e adequada?

Será que realizar eventos especificamente voltados para recrutamento não seria mais efetivo?

Será que implantar um processo interno focado em cadastrar e avaliar com olhar mais cuidadoso e atento não é um caminho?

Que tal desenvolver projetos visando capacitação técnica em conjunto com programas de treinamento hands-on dentro da empresa?

Empresa de TI que quer contratar mulheres não adianta só divulgar vagas e pedir indicação: os currículos das mulheres “prontas” não vão lotar sua caixa de e-mail. Sugiro rever a forma de recrutar e concentre seus esforços em contratar iniciantes e assumir a responsabilidade de desenvolver essas mulheres, fornecendo capacitação técnica e mentorias.

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