Depois de quase 30 anos, descobri que sou negra.

Livia Gabos
Training Center
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4 min readSep 21, 2018

Esse título, apesar de parecer click bait, não é. Infelizmente.

Para aqueles que não me conhecem: Olá, meu nome é Livia Gabos e eu me entendi como pessoa negra faz alguns anos.

Talvez a foto abaixo explique um pouco do meu contexto de vida:

Foto de Janeiro de 2010 com a minha mãe à esquerda (branca, cabelo liso castanho e olho azul) e eu à direita (preta de pele clara e cabelo cacheado curto) com beca da graduação.

Minha mãe e minha avó eram brancas de olhos claros. Meu avô era negro de pele clara. A minha bisavó (mãe do meu avô) era negra, mas meu bisavô (pai do meu avô) era filho de alemães. Minha mãe foi o gene recessivo da família e só ela tinha os olhos claros da minha avó, das 4 irmãs que ela teve. Morei desde meu nascimento com minha mãe e meus avós. Esse foi meu contexto de vida.

Alguns esclarecimentos são necessários: minha mãe não me impôs nada com relação a isso. Ela não me obrigou a alisar cabelo, a me achar branca… nada disso.

Pelos meus traços e contexto, todos me entendiam como branca. Ou melhor dizendo, morena. Quando fui renovar meu RG, descobri que estava registrada como branca. Me lembro que na minha certidão de nascimento eu também estava registrada como branca. Se todos falam que sou branca, morena…eu sou.

Meu entendimento como pessoa negra

Foram muitos vídeos, muitas conversas, muitos textos para mudar a minha perspectiva e me entender como negra. Durante minha adolescência e juventude eu sempre me identifiquei como parda. Mas o ponto de atenção para mim foi quando a Camila Pitanga se identificou como negra em 2015.

Nesse momento eu pensei: Pera, se ela se identifica como negra…por que eu não me identifico?

O podcast B9 sobre 54% e o podcast Mamilos episódio 92 e episódio 93 sobre consciência negra de 2016 também me ajudaram muito nesse entendimento pessoal.

Em 2016 houve aquele vídeo do Caio da JoutJout, com ele falando sobre as dúvidas dele sobre ser negro, pardo, etc. E eu me entendi totalmente na fala dele.

Nunca passei por preconceitos. Sempre passei por ser uma pessoa branca. Ainda assumindo meu cabelo mais curto, mais bagunçado e mais cacheado.. ainda assim, não era identificada como negra. Já ouvi que eu não era preta o suficiente, mas até aí tudo bem. Também não me achava.

Até que entendi que essa leitura tinha que vir de mim mesma. Depois que assumi para mim, assumi para a minha família que não me lia mais como branca nem parda. Foi aos poucos, mas foi.

Processo

Foto minha com o cabelo curto, mas bem cacheado. Com a mão no rosto segurando a cabeça. Da época que eu ainda usava óculos de grau (armação colorida roxa de acetato — mais grossa)

Após todo esse processo, quando alguém fala pra mim que pessoa X não se identifica como negro sendo negro, eu falo: “Se ele não se identifica como, não é você que deve ir e se impor… Colocando a pessoa numa categoria que o próprio não comprou…”. Cada um tem seu tempo. Pode passar a vida inteira e não se achar negro. Tudo bem. Minha mãe branca já se identificou como negra, por conta das raízes dela. Quem sou eu pra falar que ela está errada? :)

A Juliana outro dia perguntou em um grupo sobre a questão da identificação como Parda. Eu não me importo se me identificam como parda ou negra. Provavelmente, a identificação como parda será frequente, mas não vejo problema nisso. Me importaria se me identificam como branca ou morena. Esse é um rótulo que não me pertence mais e acho importante valorizar minha identificação pessoal.

Existem pessoas que falam que pardo é apenas papel e que você deve assumir algo e não ficar no meio termo. Não gosto disso. Eu apenas me coloco como negra de pele clara, porque para mim isso é importante e me sinto feliz de assumir isso. Aceito o parda também. Leitura como branca, não.

Tem pessoas que falam que “se não passou por racismo ou preconceito, não é negro”. Quem vai querer se assumir negro ou preto para ir ganhando pontos de preconceito na vida? Alguém? Por isso acho importante me assumir num extremo que não é valorizado. Que é visto como ruim ou difícil.

Finalizando

A ideia era apenas contar o meu caso e que isso é uma situação muito, muito frequente com a gente. Depende muito dos nossos traços, nossas relações, nossa criação. Muita coisa.

Não critiquem o amiguinho pela identificação ou não. Cada um sabe o momento de assumir algo na sua vida. A vida é complicada por si só, não compliquem mais jogando sacos de areia no carrinho de ninguém. Adicionando mais peso e mais culpa.

Ofereçam esclarecimento, aconselhamento, carinho e compreensão. Apresentem dúvidas, conteúdos interessantes, entre outras coisas. Dúvidas nos levam a questionamentos e a andar pra frente em busca de respostas.

Plante a dúvida por aí ;)

Flw, vlw!

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Livia Gabos
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Atualmente Accessibility Product Owner, com conhecimentos há mais de 10 anos em UX Designer e Acessibilidade. Mestre em Ciência da Computação.