Mulheres em Tech: o desafio no mercado de tecnologia

Fabiola Faria
Training Center
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9 min readJun 11, 2018
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Ano passado eu recebi um convite muito bacana para participar de uma entrevista sobre “As mulheres no mercado de Tecnologia”. Esse tema fazia parte de um desafio para um projeto de uma Universidade. Durante esse processo, fizemos call, alinhei ideias, troquei mensagens, realizei pesquisas, e escrevi quatro páginas sobre o tema. Estava empolgada!

Mas ao final nada foi publicado, nem minha entrevista e nem de nenhuma outra mulher em tecnologia. No entanto nos avisaram que todos adoraram as respostas e que utilizariam esse conteúdo em outro momento. Estava até hoje aqui esperando, foi quando decidi trazer um pouquinho desse conteúdo que escrevi para todos que trabalham ou empreendem em tecnologia.

Diversidade em ambiente tecnológico

Há algumas semanas atrás aconteceu em Paris o Viva Technology 2018. Este ano o evento contou com um time renomado e com muitas personalidades com autoridade para falar sobre o cenário atual da inclusão de mulheres dentro do mercado de tecnologia. Entre elas estavam Peggy Johnson atual VP de Biz Development da Microsoft, Ann Rosenberg atual SVP e Global Head da SAP , Shelley Zalis CEO do The Female Quotient, Deemah Alyahya diretora do MISK Innovation.

O debate principal no Equality Lounge girou em torno da lentidão de iniciativas para mudar o cenário de desigualdade e promoveu uma livre discussão de alternativas que poderiam acelerar o rompimento de padrões obsoletos. Mais do que só citar os preconceitos que os estereótipos de gênero criam dentro do mercado, foram discutidos alternativas que ajudam a minimizar os legados indesejáveis desse meio.

Que o assunto de inclusão e diversidade de gênero no mercado de tecnologia é crescente, isso é inegável. Grandes empresas assim como Google, Facebook e Microsoft vem se pronunciando cada vez mais sobre o tema. E a conclusão que chegam é que o mercado de tecnologia ainda enfrenta grandes desafios para romper preconceitos.

Mas como nós enxergamos esse problema? Você acha que a culpa é exclusivamente cultural e organizacional? Você acha que as empresas realmente estão lutando por quebrar padrões obsoletos? Esse é o tipo de diálogo que queremos promover por aqui!

Entendendo o problema

Quem nunca recebeu um feedback sobre o tipo de comportamento referente ao gênero, NÃO vai entender quando falamos de estereotipar a capacidade de um indivíduo. Você já parou para pensar nos feedbacks que você recebe do seu trabalho? Dos seus colegas? Do seu chefe?

Vamos aos fatos!

Quando falamos de estereótipos de gênero, estamos falando daquele tipo de feedback que se ouve ao final do ano ou comentários dos colegas de Equipe: “Ele é comprometido” x “Ela é dedicada”, “Ele é competente” x “Ela é inteligente”, “Ele é motivado” x “Ela é enérgica”, “Ele é focado” x “Ela é determinada” e por aí vai dentro dos exemplos que eu mesma já vivenciei.

Essa classificação diferenciada que nós atribuímos aos indivíduos podem ser mais valorizadas e melhores aceitas dentro de um ambiente específico de trabalho. Isso não significa que elas são ruins se comparadas entre elas, mas que podem ter culturalmente uma maior aceitação para cada área de atuação. E em um ambiente competitivo de tecnologia, o estereótipo de gênero é um forte concorrente da diversidade.

Se você ainda tem dúvidas sobre esse tipo de estereótipo, você pode perguntar a uma criança como ela define seu pai e sua mãe. Os adjetivos utilizados normalmente serão diferentes, no entanto co-relacionados. Então crianças usam diferentes adjetivos para características iguais? Na maioria das vezes sim, e isso é um dos motivos pelo qual ainda existe o estereótipo de gênero para brinquedos, onde meninas brincam com bonecas e meninos brincam com carrinhos.

E as crianças sabem disso? Obviamente, não! Isso porque muitos de nós crescemos em uma cultura patriarcal, onde uma criança passa a maior parte do seus primeiros anos de vida com a figura materna, enquanto a figura paterna está associada a sustentação e proteção da família.

Como se todo esse cenário de desenvolvimento de caráter do indivíduo fosse pouco para entender a ausência de mulheres em ambientes tecnológicos, ainda temos questões históricas envolvidas, a imagem do “american way of life” e outros impasses de socialização que não detalharemos nesse momento.

Em contrapartida, devemos sim adentrar no fato de que muitos de nós, independente da criação, ainda somos reativos a discussão do tema de igualdade e diversidade de gênero dentro da industria tecnológica. E essa desigualdade não fica exclusiva somente a mulheres, mas também à comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) que também sofrem com a estereotipagem de gêneros.

13 Reasons Why da exclusão de mulheres em TI

Pode parecer repetitivo e até ofensivo, mas vou citar alguns motivos pelo qual ainda acontece esta desigualdade entre gêneros nas empresas e os motivos pelo qual você deveria debater mais sobre o tema:

1- Quando uma mulher concorre a uma vaga de tecnologia, as mulheres ainda precisam provar que são mais ‘competentes’ para a vaga do que um homem concorrendo a mesma vaga precisa, ou seja, o processo é desigual em avaliação e interpretação. E essa provação constante de competências não se limita a processos seletivos, ocorrendo também no dia a dia de mulheres que integram uma equipe de tecnologia.

2- A neutralidade de gênero em anúncios de vagas não é uma prática das empresas, as vagas normalmente são descritas para um perfil masculino, com caracterizações masculinas, e muitas vezes ressaltando benefícios para atrair um público exclusivamente masculino, evidenciando ainda mais a desigualdade de seleção.

3- Quando uma mulher concorre a uma vaga em tecnologia ela é subjugada logo na avaliação curricular, principalmente no critério anos de experiência e formação acadêmica em relação ao homem. Por exemplo, ainda existem empresas que desconsideram a formação tecnóloga para mulheres mas consideram para homens que concorrem para a mesma vaga.

4- A mulher ainda recebe propostas salariais menores do que homens para atender as mesmas atividades e ocupar os mesmos cargos. E essa diferença não é pequena. Atualmente mulheres em tecnologia ganham em torno de 78% do salário pago para homens, segundo o relatório global ISACA 2017. Imagine o cenário em que um Engenheiro de Software ganha R$10.000, uma mulher pode chegar a ganhar R$7.800 para ocupar o mesmo cargo. Em outras áreas essa diferença salarial ainda é mais gritante, podendo chegar a um salário 40% menor do que a remuneração paga para homens.

5- Ainda falando de entrevistas, os processos retrógrados de seleção em empresas ainda abordam perguntas para mulheres referentes a maternidade, crescimento familiar ou permanência fora do mercado de trabalho durante períodos de licença-maternidade ou afastamento.

6-As mulheres recebem menos incentivos no ambiente familiar para concorrer a carreiras de tecnologia do que os homens recebem. E quando o apoio é para uma área técnica, normalmente são direcionadas para áreas de Engenharia.

7- As mulheres quando optam por uma carreira tecnológica, e precisam frequentar aulas predominantemente preenchidas por homens, acabam por sofrer descriminação de gênero e subjugação no ambiente acadêmico. Mas quem disse que somos o sexo frágil, não é mesmo? Por experiência, o diploma ainda assim é possível, apesar de representarmos apenas uma pequena parcela do total de ingressantes nos cursos Tech.

8- Devido às dificuldades encontradas no ambiente acadêmico, falta de incentivo familiar e entre outros motivos, quase 80% dos ingressantes mulheres em carreiras tecnológicas optam por desistir dos estudos logo no primeiro ano, segundo dados do PNAD de 2016.

9- No Brasil , as mulheres representam apenas 20% dos mais de 580 mil profissionais que atuam no mercado de Tecnologia da Informação, segundo o IBGE de 2016. Mas sabemos que esse é um problema Global, e não está restrito apenas ao Brasil, muito menos à empresas pequenas. Segundo pesquisa feita pela Standard & Poor’s o Facebook conta com 35% de presença de mulheres no último ano, enquanto no Google e na Apple são aproximadamente 32%. No Twitter, após a contratação de Candi Castleberry-Singleton como vice-presidente de Diversidade e Cultura, o percentual de mulheres subiu para 38% no final de 2017, segundo entrevista na Época NEGÓCIOS Online.

10- No Vale do Silício as coisas também não andam muito bem para as mulheres empreendedoras. Segundo um levantamento da Harvard Business School, 90% dos aportes financeiros de investidores em startups são direcionados para startups lideradas por homens. Ou seja, até mesmo para empreender em tecnologia é desestimulador para mulheres no cenário atual.

11- Mulheres ainda possuem menos oportunidades de crescimento em carreiras de Tecnologia. Para você entender a dimensão, segundo o estudo ISACA de 2017 apenas 21% dos cargos executivos em tecnologias são ocupados por mulheres. Se você chegou até aqui duvidando da “capacidade” de liderança das mulheres, saiba que o relatório Peterson Institute for International Economics realizado em 2016 apresentou dados de rentabilidade 15% maiores para empresas onde mulheres ocupam posições de liderança.

12- Com tudo isso que citamos acima, viemos de encontro com algumas das principais barreiras enfrentadas por mulheres em Tecnologia: a baixa representatividade e participação feminina em eventos e projetos de mentoria, ocasionando pouca visibilidade no mercado. Essa baixa participação ativa no ambiente Tech vai de encontro também com a desestimulação de outras mulheres.

13-Por último, mas não menos importante de ser citado, as mulheres ainda sofrem abuso moral e sexual em ambientes predominantemente masculinos. Conforme a pesquisa “Elephant in the Valley” de 2016, cerca de 60% das mulheres que atuam no mercado tecnológico americano sofrem assédio sexual. E mais, 90% das mulheres sofrem discriminação de gênero em conferências de tecnologia e outras atividades externas.

Você achou pouco os motivos pela qual a participação de mulheres em tecnologia é quase um pedido de socorro? Eu acho que não, e são suficientes para pedirmos mudanças nesse cenário. Você não acha?

Mudanças necessárias

Em 2017, uma carta de um funcionário do Google nos Estados Unidos trouxe a público um protesto ‘anti-diversidade’. O texto falava que a desvantagem de mulheres em tecnologia e em cargos de liderança se dava por disparidades biológicas entre mulheres e homem. O texto viralizou, fez murmurinho na época e só evidenciou ainda mais o que todo mundo sabia dentro de um ambiente com predominância masculina.

Depois do ocorrido, o Google se pronunciou e trouxe à tona um debate importante sobre as políticas de inclusão e diversidade de gênero nas empresas. Atualmente, o Google participa ativamente de projetos de inclusão e levou recentemente para o Brasil o WomenWill, um projeto de capacitação de até 10 mil mulheres para o mercado de trabalho até o final de 2018.

As inscrições do WomenWill já estão abertas e as próximas turmas ocorrem nos dias 25 e 26 de Junho, 30 e 31 de Julho e 27 e 28 de Agosto em São Paulo. Além disso, o Google.org fez um aporte de R$ 3 milhões para o Instituto Rede Mulher Empreendedora para colaborar na capacitação de mulheres em todo o país. Então fique de olho por lá também!

Diante de tantas adversidades, ampliar a participação feminina na tecnologia tem sido um desafio para as empresas, mulheres e homens. Mas essa mudança já está ocorrendo, apesar das medidas ainda serem pontuais, as iniciativas pouco divulgadas entre o meio empresarial e o tema raramente discutido dentro das próprias equipes de tecnologia.

Algumas práticas já realizadas por grandes empresas deveriam ser disseminadas mais abertamente pela indústria tecnológica, permitindo assim que outras empresas também adotem modelos de negócios mais inclusivos. E por que não quebrar barreiras começando pela sua empresa ou pela equipe a qual você faz parte?

A Salesforce, por exemplo, adota a transparência nas contratações, apresentando relatórios de gênero, dados sociais e demográficos aos líderes. A SAP opta por difundir a educação tecnológica logo no início da carreira com programas globais entre escolas e universidades. A Dell, por exemplo, promove o “Women in Action” estimulando o desenvolvimento profissional e condições de igualdade das mulheres que trabalham na empresa. O Facebook promove cursos de programação voltados para mulheres, como o “Elas em Tec”, o qual inclusive participei em 2015.

Muitas outras iniciativas podem ser realizadas e difundidas pela sua empresa e sua equipe, partindo de um modelo de descrição de vagas mais inclusivas, incentivos de desenvolvimento e liderança feminina ou simplesmente a transparência salarial para os cargos e vagas abertas. Será que é possível?

Claro, que sim!

No entanto, tudo isso exige mudanças imediatas, e a mudança é um desafio necessário para qualquer ambiente corporativo que busca inovação, colaboração e crescimento. Mas, enquanto as empresas tecnológicas se adequam a essas mudanças, nós aceitamos o desafio de continuar lutando por um espaço mais igualitário dentro dessas empresas.

E você, também aceita esse desafio?

“Inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança” — Stephen Hawking

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*Algumas ideias desse texto refletem experiências pessoais vividas em ambiente de trabalho, ambiente acadêmico e interação com diferentes equipes e empresas.

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Fabiola Faria
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